Tiffany Smith, mãe da youtuber norte-americana Piper Rockelle, que conta com mais de 10 milhões de seguidores, vai responder em tribunal por queixas de abuso emocional, físico e sexual feitas por 11 adolescentes que participaram nos vídeos da filha e não foram remunerados. Segundo a NBC, o julgamento — que deveria ter começado na segunda-feira, mas foi adiado para novembro — permitirá descortinar o funcionamento do mundo lucrativo, mas não regulado, do trabalho infantil em plataformas como o YouTube.

Todos os queixosos são adolescentes que fizeram participações em vídeos de Rockelle, hoje com 15 anos, entre 2017 e 2021, um período em que a youtuber terá ganho entre 4,2 milhões (3,8 milhões de euros) e 7,5 milhões de dólares (6,8 milhões de euros) por ano só em publicidade online, segundo contas reveladas numa investigação do Los Angeles Times. Nenhum deles foi remunerado por essas participações, mas também admitem que não lhes foi prometido qualquer pagamento.

Na queixa apresentada em janeiro de 2022, os adolescentes alegam que Tiffany Smith, mãe de Piper Rockelle, lhes provocou intencionalmente “angústia emocional“, exercendo sobre eles uma posição de “cuidado e controlo” durante a produção de conteúdos para o canal da filha. Alguns acusam mesmo Smith de os ter agredido física e emocionalmente e falam em “assédio, molestamento e abuso”.

Um criador de conteúdos acusou Smith de lhe dar álcool e de o beijar agressivamente enquanto fazia um vídeo em direto. Tinha 17 anos na altura. A mãe da jovem youtuber admitiu que o beijo aconteceu, mas que o episódio foi publicamente empolado e exagerado. Os adolescentes pedem, cada um, cerca de dois milhões de dólares em danos, num total de 22 milhões, tanto a Tiffany Smith como ao namorado, Hunter Hill, identificado na queixa como diretor e editor do canal de Rockelle.

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Os conteúdos foram vistos por milhões de pessoas e, segundo os pais de alguns adolescentes, motivaram episódios de bullying e assédio por outros utilizadores da plataforma. Há jovens que alegam que Smith lhes pediu que encenassem “paixões” românticas para enganar o público mais jovem, que os controlava, fazia comentários sexuais e obscenos, os encorajou a serem “sexy” e “sexualmente agressivos” e lhes tocou indevidamente nas pernas, coxas e nádegas.

Em julho, Tiffany Smith acusou as mães dos queixosos de lhe tentarem, através do processo, extorquir dinheiro com o que disse serem falsas alegações de abuso sexual, mas acabou por deixar cair a ação judicial. Smith já tinha dito publicamente que não se considerava empregadora dos jovens, e que eles quiseram participar nos vídeos voluntariamente. Desde então, já adquiriu uma autorização para poder trabalhar com menores.

“Sempre procurei respeitar as leis e nunca me considerei uma exploradora porque as crianças juntaram-se voluntariamente para colaborar na produção dos vídeos”, disse a meios de comunicação social norte-americanos, depois de uma investigação do Los Angeles Times ter revelado que a empresa de Smith não remunerou os jovens.

Segundo a NBC, o YouTube não assume responsabilidades pela conduta que não seja visível nos vídeos publicados, ou seja, pelo ambiente externo que está por trás dos conteúdos. Há, também, poucos regulamentos que se debrucem sobre a criação de conteúdos com crianças. Os pais dos queixosos pedem uma alteração das políticas da plataforma.

Em setembro de 2021, o YouTube removeu algumas imagens de Rockelle por violarem a política de segurança de menores depois de a cantora Pink ter publicado um tweet em que acusava a mãe da jovem de a “explorar”. “Quantas crianças como a Piper Rockelle estão a ser exploradas pelos seus pais? E até que ponto é que ninguém diz que não é normal alguém com 13 anos posar de biquíni quando a sua MÃE tira a fotografia”, questionou.

Desde fevereiro de 2022, depois de a Insider ter questionado a plataforma com um pedido de comentário sobre a ação judicial, o YouTube retirou ao canal a possibilidade de fazer dinheiro com anúncios. Neste momento, Rockelle ganha dinheiro com a venda de merchandise e está numa digressão pelos EUA (também faz música).

Especialistas ouvidos pela NBC dizem que o trabalho na plataforma é ainda pouco regulado, logo, pouco protetor dos direitos das crianças. De facto, as leis de trabalho infantil que existem para a indústria televisiva do entretenimento não chegam aos vídeos caseiros publicados em plataformas como o YouTube, onde não há controlo nem regulação.

Os advogados dos queixosos e ativistas dos direitos das crianças na indústria do entretenimento pedem que a Califórnia, o estado de residência de Piper Rockelle, volte a olhar para a lei e que ao trabalho infantil em plataformas online se apliquem regras como a obrigatoriedade de os rendimentos serem vistos como propriedade dos menores e não dos pais, tal como acontece na indústria televisiva.