Através do seu CEO, Ola Kallenius, a Mercedes resolveu clarificar a sua posição em relação à pressão que a Alemanha exerceu sobre a União Europeia (UE), forçando-a a aceitar os combustíveis sintéticos (e-fuels) como uma alternativa aos veículos eléctricos. Para este construtor alemão, os eléctricos são o futuro e não os e-fuels.

Ninguém parece entender-se na Alemanha, no que diz respeito à decisão de avançar, ou não, com a produção dos e-fuels, os combustíveis sintéticos. Estes são fabricados a partir de carbono capturado na atmosfera e hidrogénio gerado pela electrólise da água, à custa de energia produzida a partir de fontes renováveis. Contudo, sempre que são queimados num motor de combustão, emitem óxidos de azoto (NOx) e carbono (CO2), sendo este último equivalente ao que foi retirado do ar para a produção do e-fuel. Isto significa que os combustíveis sintéticos, além de não participarem na redução da quantidade de dióxido de carbono demasiado elevada existente na atmosfera (apenas a mantêm), lançam para o ar NOx que são cancerígenos e provocam chuvas ácidas quando se associam ao enxofre existente na atmosfera.

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Perante este quadro negativo, seria de esperar que ninguém (com preocupações com a saúde e a protecção do ambiente) se batesse pela equiparação dos e-fuels aos veículos eléctricos nas vantagens para o ar que respiramos. Mas eis que alguns dos fabricantes germânicos pressionaram o Governo alemão a obrigar a UE a olhar para o outro lado – o que é fácil quando se é o maior contribuinte da UE –, e a fazer de conta que não percebia as desvantagens deste combustível não derivado do petróleo. Isto sem entrar em linha de conta com as emissões provocadas pelos navios-tanque que transportarão os e-fuels para a Europa a partir do Chile, onde a Porsche vai instalar a sua fábrica de gasolina sintética.

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Contra os e-fuels, podemos encontrar as alemãs Audi e Volkswagen, mas também a Skoda, a Seat e a Cupra, que fazem igualmente parte do grupo germânico, com a Porsche a ser a única do conglomerado a bater-se pelos combustíveis sintéticos. A Mercedes veio agora virar oficialmente as costas à gasolina sintética, com a BMW a assumir uma posição dúbia, não assumindo se vai ou não apostar nos e-fuels, admitindo apenas que é uma opção que merece ser investigada. Isto parece deixar a Porsche como a única (ou a maior) responsável pela pressão para implementar os e-fuels, cuja grande vantagem para os construtores é não ter de investir no número de plataformas necessárias à produção de veículos de que necessita, nem nas fábricas para os produzir. Só para termos uma ideia dos valores envolvidos, a Gigafactory Berlim da Tesla custou cerca de 4000 milhões de euros.

Ola Kallenius afirmou ainda que “a Mercedes tem uma estratégia que aposta claramente nos veículos eléctricos e que não vai abandonar” devido às decisões em relação aos e-fuels. “A partir de 2025, alinharemos toda a nossa estratégia de arquitectura dos novos veículos puramente em veículos eléctricos”, acrescentou.

Kallenius sublinha que “os motores eléctricos não têm emissões poluentes, algo que os e-fuels não conseguem igualar”, e diz não conseguir “imaginar um futuro em que as grandes cidades não banam os motores de combustão por completo, independentemente do combustível queimado”. Daí que o CEO da Mercedes aposte que isto tornará “os eléctricos muito mais valiosos para os donos das marcas”. E embora reconheça que “há muita simpatia pelos motores de combustão, pela versatilidade que asseguram”, Kallenius considera que os veículos eléctricos, que hoje ainda são uma tecnologia nova, “daqui a uns anos, não muitos, ultrapassarão os rivais a combustão em performance”. Segundo ele, isso acontecerá “provavelmente no fim da década”.

Contudo, o CEO da Mercedes admite que “os e-fuels podem ser úteis para os veículos já existentes”, com um, cinco, 10 ou mais anos de vida, como forma de reduzir as emissões da esmagadora maioria do parque circulante, uma vez que os motores convencionais “velhos” poluirão menos se queimarem e-fuels em vez de combustíveis fósseis.