A vitória frente ao Real Madrid numa conjugação cósmica que teve um golo em cima do intervalo e outro nos descontos depois de ver nova desvantagem anulada pelo VAR colocou o título do Barcelona como uma mera questão de tempo. Este domingo, ficou carimbado. No entanto, e entre a festa culé de quem tinha perdido os três últimos Campeonatos e queria quase convencer-se de que é possível ganhar sem Lionel Messi (algo que chegou a ser colocado em causa na última temporada), sobrava também o melhor final do pior ano possível. O triunfo na La Liga ajuda à retoma de um clube que foi quase parar à bancarrota? Sim. E ajuda a afastar todos os problemas? Longe disso. Esse é o principal problema de Joan Laporta e companhia, numa temporada onde aconteceu de tudo um pouco com casos que prometem perdurar nos próximos tempos.

Comecemos para parte desportiva. Apesar de não ter aparentemente a melhor saúde financeira para isso, algo que foi notado por alguns rivais nacionais e europeus, o Barça gastou cerca de 160 milhões de euros em contratações com Raphinha, Koundé e Lewandowski (que não tem poder de amortização numa futura venda) além de três contratações a custo zero com respetivo prémio de assinatura de Kessié, Christensen e Marcos Alonso fazendo muito menos a nível de vendas onde o maior encaixe foi o de Philippe Coutinho que estava já contratualizado (20 milhões). Ou seja, quase em contraciclo com o momento que atravessavam onde não tinham para gastar, os catalães apostaram tudo para reconstruirem a equipa enfrentando depois dificuldades para concretizar a inscrição dos novos nomes e até de Gavi na Liga perante os constrangimentos financeiros.

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Em paralelo, há duas marcas negativas que ficam a par da vitória na Liga. Por um lado, a eliminação na fase de grupos da Champions, algo que nunca tinha acontecido na história do clube mas que ocorreu agora pela segunda vez consecutiva (e a passagem para a Liga Europa também foi curta, com a derrota frente ao Manchester United no playoff de acesso aos oitavos). Por outro, a derrota na segunda mão das meias-finais da Taça do Rei frente ao Real Madrid, com uma goleada por 4-0 em Camp Nou depois do triunfo por 1-0 no Santiago Bernabéu que foi um dos desaires mais pesados em casa nos encontros com o velho rival.

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Depois, a parte institucional. O caso Negreira, que cada semana que passa parece trazer sempre um novo capítulo que não abona em nada a favor do clube, continua a ser uma nuvem negra no Barcelona. Por mais conferências de imprensa e garantias que o líder Joan Laporta vá deixando, ninguém consegue prever o que poderá acontecer a nível de sanções e até danos reputacionais nos blaugrana, numa história que tem ainda muitas pontas soltas por perceber e que foi transversal aos últimos quatro presidentes do conjunto culé.

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De seguida, a parte financeira. Laporta encontrou algumas formas de receita através da alienação de partes de empresas que estão no universo Barcelona ou do naming do novo estádio mas nem por isso o “buraco” que vinha do passado ficou resolvido, como se viu nas dificuldades recentes para fechar o financiamento das obras de remodelação do Camp Nou, que vão obrigar a equipa a jogar no Estádio Olímpico de Montjïc na próxima temporada. Foram também essas dificuldades que levaram não só à saída de Lionel Messi (e ao não regresso do argentino, pelo menos para já) mas também às despedidas de Gerard Piqué – neste caso por mais razões desportivas e não só –, Sergio Busquets e muito provavelmente Jordi Alba. Os próprios dirigentes dos catalães admitem que é necessário reduzir despesas em 200 milhões em 2023/24.

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Por fim, um último ponto que tem a ver com as referências na equipa (ou falta delas). Pedri e Gavi são apenas os últimos bons exemplos de jogadores da formação que sobem à equipa principal e ficam como pedras chave na equipa liderada por Xavi Hernández mas as constantes mudanças no plantel nos últimos anos fez com que a base da equipa fosse mudando face ao que era e obrigou a que os mais novos crescessem de forma acelerada para ficarem como guardiões do ADN culé no conjunto sénior. Ao Xavi treinador faz falta mais Xavis jogadores nos momentos cruciais de uma época apesar da experiência de outras figuras da equipa como Ter Stegen, Lewandowski, Kessié, Christensen, Marcos Alonso ou o próprio Frenkie de Jong.

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Houve mais casos e casinhos a mexer com a atualidade do clube mas, no final do Campeonato, acabou por imperar a regularidade do Barcelona frente a concorrentes diretos que perderam mais pontos do que é habitual como o Atl. Madrid (sobretudo no arranque) e o Real Madrid (durante as semanas com encontros da Liga dos Campeões a meio da semana). E mesmo não sendo o melhor ataque da prova, a defesa acabou por fazer a diferença com os catalães a terem apenas 11 golos sofridos em 34 partidas com 27 vitórias, quatro empates e três derrotas. Acabou por ser esse o fator primordial para o sucesso, que começou este domingo na derrota do Atl. Madrid diante do Elche (que levou a que caísse para a terceira posição atrás do Real Madrid) e prosseguiu com o triunfo no dérbi contra o Espanyol que selou o título quatro anos depois.

Depois de dois triunfos pela margem mínima (1-0 com Valencia e Athl. Bilbao) que antecederam a vitória no clássico com o Real nos descontos que “fechou” as contas da Liga, o Barcelona mostrou duas faces de uma só moeda chamada consistência defensiva. É certo que sofreu dois golos na derrota fora com o Rayo Vallecano mas nos seis restantes jogos não consentiu golos. O que mudava? O lado para que o ataque estava virado, entre encontros que acabaram num nulo (Girona e Getafe) e goleadas (Betis). Agora, naquele que era o primeiro match point pelo título, voltou essa versão mais concretizadora e as contas estavam resolvidas ao intervalo com um bis de Lewandowski (11′ e 40′) e Balde (20′). No segundo tempo, Koundé aumentou a vantagem (53′) e o máximo que o Espanyol conseguiu foi reduzir por Puado (73′) e Joselu (90+2′). Conhecido pelo seu ADN de futebol ofensivo, o Barça não deu hipóteses pela forma como pouco ou nada sofreu.