A economista e investigadora Susana Peralta defendeu que a pobreza poderia ser mitigada com políticas públicas “mais musculadas” e “mais bem direcionadas”, apontando que a educação pré-escolar é essencial, apesar de neste aspeto o país estar “muito mal”.

Em entrevista à agência Lusa, a propósito da apresentação do relatório anual “Portugal, Balanço Social 2022”, Susana Peralta, uma das autoras do documento, considerou ser “muito difícil” que o país alcance as metas a que se propôs de combate à pobreza até 2030.

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Estas medidas incluíam, entre outras, 80% das pessoas entre os 20 e os 64 anos empregadas e menos 750 mil pessoas em risco de pobreza, entre as quais menos 170 mil crianças.

“Estamos no caminho, mas o caminho é muito vagaroso, é muito mais vagaroso do que aquele que seria necessário para chegarmos a 2030 com os objetivos atingidos”, afirmou, apontando que as metas “são aspiracionais”.

Susana Peralta salientou que será “muito difícil” alcançar as metas “sem alterar de maneira substancial os Estados Sociais”.

“E sem alterar de maneira substancial um problema gravíssimo de desigualdade de oportunidades que há em todas as economias desenvolvidas e que tem a ver com mecanismos que se instalam desde a pequena infância”, considerou.

De acordo com a investigadora, o relatório “Portugal, Balanço Social 2022” denuncia “indicadores preocupantes” em matéria de educação, salientando a importância desta área “na construção do capital humano” e das competências que vão permitir que as crianças sejam depois “adultos funcionais” e tenham maior probabilidade de aceder ao mercado de trabalho ou de ter melhor saúde.

“Sabemos que os anos pré-escolares são essenciais. Estamos mesmo a falar de competências que se constroem nos primeiros anos de vida e nós continuamos a ter, e isso está no nosso relatório, uma frequência de pré-escolar em Portugal que está invertida”, apontou.

Classificou como “bizarria”, por comparação com os restantes países da União Europeia, o facto de, em Portugal, não haver uma frequência do pré-escolar universal e de a cobertura destes estabelecimentos não abranger todo o país.

“Do ponto de vista da construção das competências para dar a essas pessoas instrumentos para saírem da pobreza quando são mais velhas, isto é catastrófico”, alertou.

Denunciou também a inversão que existe no acesso, tendo em conta que a maior percentagem de crianças a frequentar creche e pré-escolar é de famílias mais ricas.

De acordo com o relatório, 67,4% das crianças até aos três anos que vivem em famílias mais pobres não vão à creche, o mesmo acontecendo com 37,2% das crianças entre os quatro e os sete anos, que não frequentam o pré-escolar.

Um facto preocupante tendo em conta, referiu, que a literatura demonstra que as competências que as crianças adquiririam na escola podem ser aprendidas em casa quando as famílias têm níveis de educação superiores, o que não se verifica, genericamente, nas famílias mais pobres.

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Além da dimensão da igualdade de oportunidades, a investigadora destacou a questão das transferências sociais e questionou até que ponto os apoios sociais atuais dão tranquilidade às famílias ou algum tipo de planeamento a médio prazo, apesar de admitir que sem esses apoios “a taxa de pobreza aumentava para mais do dobro”.

Susana Peralta salientou que Portugal é “uma pequena economia aberta”, tão interligada com o resto do mundo que a forma de estar mais protegida dos efeitos gravosos das várias crises é tendo “maior robustez” e uma “economia mais sólida”.

Ainda assim, a economista defendeu que “o problema da pobreza é primordialmente uma questão de políticas públicas”, já que haverá sempre situações de pobreza que não se resolvem pelo facto de haver melhores salários.

É preciso dar dinheiro aos pobres, em primeiro lugar, e, em segundo lugar, políticas de promoção da igualdade de oportunidades que mitiguem a maior lotaria que as pessoas têm na vida, que é a lotaria do nascimento”, defendeu.

Referiu que os apoios sociais criados para combater a pobreza —  como o Rendimento Social de Inserção (RSI) e o abono de família —  não respondem às necessidades das pessoas, dando como exemplo que o valor de referência do RSI ronda os 200 euros mensais quando o limiar da pobreza está acima dos 600 euros mensais.