787kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

“Já Não Sou a Amar-te Menos”: a empatia é uma dança em movimento contínuo

Este artigo tem mais de 6 meses

A criação de Guilherme de Sousa e Pedro Azevedo explora o lugar do outro nas nossas vidas. O espetáculo encerra o Festival Cumplicidades este fim de semana, na Biblioteca de Marvila, em Lisboa.

“Quem é que cuida mais do outro e quem é que depende mais?”, questiona a dupla. Há sempre dependências emocionais, realçam. A ideia por detrás deste espetáculo é que tudo fique em aberto, que esse lado das relações permaneça dúbio
i

“Quem é que cuida mais do outro e quem é que depende mais?”, questiona a dupla. Há sempre dependências emocionais, realçam. A ideia por detrás deste espetáculo é que tudo fique em aberto, que esse lado das relações permaneça dúbio

“Quem é que cuida mais do outro e quem é que depende mais?”, questiona a dupla. Há sempre dependências emocionais, realçam. A ideia por detrás deste espetáculo é que tudo fique em aberto, que esse lado das relações permaneça dúbio

Há um cenário que se revela dentro de outro. Um espaço exterior e outro interior, duas estórias, contadas em dueto, sobre a empatia, o amor e o lugar do outro na vida de cada pessoa. A narrativa que se vai desenvolvendo guarda uma história de oito anos, altura em a dupla Guilherme de Sousa e Pedro Azevedo se conheceram, em 2014. Começaram a trabalhar criativamente em 2016 e nasce agora “Já Não Sou a Amar-te Menos”, espetáculo que vai ser apresentado este sábado e domingo, dias 20 e 21 de maio, na Biblioteca de Marvila, em Lisboa.

Não é autobiografia, diz a dupla ao Observador, mas a criação parte de um lugar de intimidade: “Na impossibilidade de acordo sobre qual dos dois amaria mais o outro, definimos entre nós. O primeiro a dizer, após as 00h do novo dia, ao outro ‘já não sou a amar-te menos’, naquele dia, amaria mais o outro. Temos feito isto todas as noites há oito anos e nunca tínhamos contado a ninguém”, lê-se na sinopse. Entre a relação pessoal e profissional dos dois criadores, surge um território de afeto que os levou a considerar a coexistência de duas narrativas. Uma mais onírica e fantasiosa e outra mais concreta e real. “Esses dois lados advêm do facto de termos uma relação pessoal e profissional e de dividirmos essas duas realidades nas nossas vidas”, diz Pedro Azevedo.

Exploram as nuances entre relações humanas, acima de tudo, sejam elas amorosas ou de amizade. O que se pretende é ter um olhar sobre a capacidade de amar os outros. No meio disso, surgem questões que ficam em aberto – no espetáculo, mas também no dia-a-dia. “Quem é que cuida mais do outro e quem é que depende mais?”, questiona a dupla. Há sempre dependências emocionais, realçam. A ideia por detrás deste espetáculo é que tudo fique em aberto, que esse lado das relações permaneça dúbio, numa nébula de sentimentos, que vai adquirindo camadas narrativas à medida que a criação se desenrola. Afinal de contas, explica Guilherme de Sousa, “não é possível medir quem ama mais numa relação”.

Monstros peludos e humanos em sofrimento

Perante um cenário retangular, ladeado de cortinas verdes, a fazer lembrar um set de chroma key, como aqueles que existem na rodagem de um filme, “Já Não Sou a Amar-te Menos” começa com um par de monstros peludos (à falta de melhor designação e uma vez que são os próprios criadores a deixar esse conceito em aberto) em simples atividades domésticas. Com um ferro de passar vertical, tratam de engomar as cortinas, trocam alguns carinhos e abraçam-se. Estamos numa primeira estória, surrealista, pintada em tons de rosa, num universo onírico, que se liga a um horizonte profundamente imaginativo e próximo da fantasia e da ficção científica. Chegado a este ponto não sabemos ainda que tipo de poder têm estes monstros na narrativa. Da parte dos mesmos, em movimentos miméticos e minimalistas, parece existir uma preocupação para que tudo esteja no sítio certo – uma espécie de higienização que prepara a abertura de cortinas e o espaço interior que vamos depois descobrir.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

São dois homens, com roupas normais, e a cena remete para uma experiência extrema de cuidado, uma vez que a vida de um depende necessariamente do cuidado do outro

Saem de cena. Na escuridão um jogo de luzes e uma personagem de lanterna deixa antever um novo cenário. O chão é de terra e existem algumas plantas. Está acompanhado por uma outra figura, sentada numa cadeira de rodas. Podemos estar numa certa altura da noite ou não. No meio desta floresta, a personagem da lanterna planta uma árvore, enquanto é observado pelo segundo, que não se move – pode interpretar-se como alguém incapacitado. É uma proposta de reflexão sobre alguém com a síndrome do encarceramento, diz Pedro Azevedo. Existe uma relação entre ambos, que é amorosa, mas também de uma dependência total. Um deles é, simultaneamente, par e cuidador do outro. São dois homens, com roupas normais, e a cena remete para uma experiência extrema de cuidado, uma vez que a vida de um depende necessariamente do cuidado do outro.

Esta estória, sublinham os dois criadores, surge a partir de um debate sobre fobias e o que pode levar alguém a manter-se perto de outra pessoa, mas também a deixá-la. “Debatemos sobre os medos e as fobias que atormentava cada um de nós. O medo do final de uma relação, o medo das profundezas do oceano e o medo de ter um acidente ou uma condição que nos torne incapacitados, em que mantemos a nossa consciência, mas estás preso no teu próprio corpo”, salienta Pedro Azevedo. “Cada um de nós pode ter um acidente e acontecer isto mesmo. A pergunta seguinte seria como é que seria a nossa relação depois?”, interroga Guilherme de Sousa.

As falhas e as fragilidades humanas

O comportamento de um personagem perante o outro (o que está incapacitado) nem sempre parece correto ou carinhoso. Fuma perto deste, colocas as mãos na sua cara, mas também demonstra afeção. Não sabemos porque estão ali, a plantar uma árvore, nesta floresta artificial. Na conversa com o Observador, os dois criadores explicam a inspiração desta cena no livro do jornalista e escritor francês Jean-Dominique Bauby, que depois de um acidente vascular cerebral perdeu a capacidade de se movimentar. Apesar de sua condição física, Bauby escreveu o livro de memórias O Escafandro e a Borboleta com um método desenvolvido por um fonoaudiólogo: enquanto letras do alfabeto eram recitadas lentamente na ordem decrescente de frequência na língua francesa, o paciente piscava a pálpebra esquerda quando a letra que queria era dita. Esta mesma experiência foi adaptada ao cinema pelo cineasta Julian Schnabel, em 2007.

“Num festival reconhecido pela ligação à dança e à performance, trazemos esta proposta em que se espelha, na verdade, uma antítese do movimento”, realça Pedro Azevedo

Mas as referências não terminam: o cinema de Roy Andersson e de Yorgos Lanthimos marcam também presença precisamente pela dualidade entre realidade e fantasia. No caso desta criação, diz a dupla, podemos também imaginar que os monstros são na verdade responsáveis por um filme em rodagem. O cenário das cortinas revela um set onde se conta a história e a vivência deste casal, que fazem assim parte também eles de uma ficção. “Foi uma forma de nos podermos debruçar sobre as diferentes formas de relacionamento”, diz Guilherme de Sousa. “Trabalhamos essas duas criaturas e depois essas duas personagens mais concretas, o que acentua essas diferenças. Há um olhar mais floreado com os monstros e depois um embate com algo mais silencioso e cru, mas que não deixa de poder fazer parte de um mesmo universo.”

A cena termina a certa altura com um alarme – um aspeto biográfico: Pedro é diabético e o sinal remete para o tratamento hipoglicémico. Os monstros voltam ao palco. As camadas de “Já Não Sou a Amar-te Menos” vão se sobrepondo. A criação que apresentam é dada mais à dramaturgia do que à performance. “Num festival reconhecido pela ligação à dança e à performance, trazemos esta proposta em que se espelha, na verdade, uma antítese do movimento”, realça Pedro Azevedo. Há pouco movimento, mas uma narrativa carregada de simbolismo. A biografia serve como apontamento, mas o que se pretende é que exista uma leitura em aberto. No fim, ouvem-se os versos iniciais de “Vanishing Act”, canção de Lou Reed: “It must be nice to disappear/ To have a vanishing act/ To always be looking forward/ And never looking back”.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora