A maioria dos partidos recusou esta quinta-feira uma proposta do Chega para que a legalidade das decisões do presidente da Assembleia da República (PAR) pudesse ser verificada pelo Tribunal Constitucional, considerando que tal seria “uma subversão de poderes”.

Na reunião desta quinta-feira da comissão eventual de revisão constitucional não se registou o necessário consenso de dois terços (que implica acordo de PS e PSD) sobre quase nenhuma das propostas, mas foi esta sugestão do Chega que gerou mais discussão, com a IL e o PAN a levantarem dúvidas se os poderes do PAR não deverão poder ser alvo de um recurso superior.

O Chega pretendia introduzir na Constituição uma nova competência ao Tribunal Constitucional (TC): “Verificar a legalidade dos atos do Presidente da Assembleia da República, a requerimento de qualquer Grupo Parlamentar, que alegue incumprimento dos seus direitos constitucionais”.

“Consideramos necessário haver uma maior fiscalização à atuação do PAR, que tem um direito de quase ‘visto prévio’ à entrada de iniciativas”, justificou o deputado Bruno Nunes.

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Pelo PS, a deputada Isabel Moreira frisou que o TC “não tem o exclusivo da defesa da Constituição”, considerando que “é dever da Assembleia a República evitar sequer que se discutam propostas flagrantemente inconstitucionais”. “Seria um desvirtuamento total do TC”, considerou.

Paulo Mota Pinto, deputado do PSD e antigo juiz do TC, foi mais longe e considerou mesmo que esta proposta “subverteria a separação de poderes”.

“Compreendo que o Chega muitas vezes queira fazer números, está no seu direito de protestar, mas querer alterar a Constituição judicializando a prática interna da Assembleia é ir um pouco longe de mais”, criticou.

Numa reunião em que BE e Livre estiveram ausentes, também a deputada do PCP Alma Rivera rejeitou taxativamente a proposta.

Pela IL, apesar de não acompanhar a proposta, o deputado João Cotrim Figueiredo salientou que o PAR tem “os mais amplos poderes e pertence ao partido que tem a maioria”, questionando que recurso existe para uma força política que se sinta “claramente injustiçada”.

A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, defendeu, pelo contrário, que a proposta do Chega até deveria ser mais ampla, dando esse direito a todas as forças políticas, apontando um exemplo recente do que considerou uma injustiça.

“Temos duas forças políticas a quem foi excluída a participação na comissão parlamentar de inquérito à TAP, a quem podem o PAN e o Livre recorrer? A ninguém”, lamentou, recebendo resposta do PS de que essa decisão foi tomada “democraticamente por maioria”.

No final da discussão, Bruno Nunes disse acreditar que um dia o Chega presidirá à Assembleia da República, avisando que, nessa altura, temas como o aborto e a eutanásia não serão discutidos, já que o partido os considera inconstitucionais. “Hoje estão na cadeira, amanhã estaremos nós”, disse.

Pelo caminho ficará outra proposta do Chega que pretendia diminuir de dez para oito o número de juízes do TC eleitos pela Assembleia da República e aumentando os cooptados, proposta que mereceu uma rejeição unânime dos partidos.

Também sem o acordo de PS e PSD não será incluída numa eventual revisão constitucional a proposta da IL para criar um Conselho Superior das Magistraturas (que fundisse os atuais três conselhos), apesar de os partidos terem reconhecido a necessidade de um reforço do escrutínio nestes órgãos.

“Custa-me a perceber como é que um conselho com maioria de magistrados se verifica a si próprio”, lamentou Cotrim.

Apenas uma proposta do BE para que as deliberações do Conselho Superior da Magistratura e a sua fundamentação obedeçam à regra de publicidade mereceu simpatia generalizada.