Scott Lieberman, um americano de 42 anos, descobriu que foi roubado à mãe quando era recém-nascido, no Chile, e dado para a adoção, acabando por ser acolhido por uma família nos Estados Unidos. Durante a ditadura do General Augusto Pinochet, entre as décadas de 70 e 80, milhares de bebés foram submetidos a adoções forçadas — uns, vindos de famílias ricas, para proteger reputações; outros, vindos de famílias pobres, como estratégia do governo para erradicar a pobreza e gerar lucros.

“Vivi 42 anos da minha vida sem saber que tinha sido roubado, sem saber o que é que acontecia no Chile nos anos 70 e 80”, declarou à CNN, Scott Lieberman. “Só quero que as pessoas saibam… Há famílias que ainda podem reunir-se”.

Em 1979, Rosa Ester Mardones, então com 23 anos, descobriu que estava grávida. Solteira e com um contexto financeiro precário, pediu ajuda. De acordo com o relato da filha, Jenny Escaldona Mardones, dois anos mais velha do que Scott, a mulher terá sido visitada por freiras, que lhe ofereceram um emprego em Santiago. Aqui, faria “trabalho doméstico numa casa que pertencia a um médico”, cita a CNN.  Chegada à capital chilena, também foi, aparentemente, auxiliada por uma assistente social durante a gravidez. A funcionária terá dado a Rosa vários documentos para assinar, alguns dos quais ela não compreendia bem.

A 21 de agosto de 1980, Scott Lieberman nasceu na Clínica Providencia de Santiago. Rosa Ester Mardones viu-o apenas por breves instantes: a assistente social levou o recém-nascido, antes de a mãe sair sequer do hospital. Quando tentou recuperar o filho, foi ameaçada: “Não venhas aqui à procura do bebé outra vez, porque, se o fizeres, eu chamo a polícia e eles prendem-te”, relatou a filha mais velha. “O teu filho está nos Países Baixos ou na Suécia. Está num país diferente. És uma mãe pobre e solteira, não és capaz de criar outro filho. Prescindiste dos teus direitos parentais, de qualquer forma.” Fazer muitas perguntas durante a ditadura de Pinochet não era aconselhado — ser uma mulher pobre e mãe solteira significava que não valia a pena pedir ajuda à polícia. Scott acredita que as freiras, os médicos e a assistente social agiram em conluio.

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O caso de Rosa Ester Marones e de Scott Liberman está longe de ser o único no Chile — de acordo com a CNN, podem ser até milhares os casos de bebés roubados durante naquele período neste país. Durante a ditadura de Pinochet, padres, freiras, médicos, enfermeiras e outros profissionais conspiraram para levar a cabo adoções ilegais, muitas vezes apenas para gerar lucros. Na última década, foram já descobertos múltiplos casos.

“Um negócio muito lucrativo num período negro”

Sara Jineo foi outra de tantas mães vítimas do roubo dos bebés no Chile. Levou o filho Camilo, um recém-nascido de quatro dias, ao hospital em Temuco, no sul do país, e nunca mais o viu: “Enganaram-me. Fizeram-me ir ao hospital e disseram que iam fazer uma análise de sangue ao meu filho”, cita a BBC. Durante os anos 70 e 80, entre oito mil a 20 mil bebés chilenos e crianças novas foram adotadas por famílias espalhadas pela Europa e América do Norte. As mães biológicas, detalha o The Guardian, eram tipicamente muito jovens e pobres.

As adoções faziam parte de uma estratégia nacional para erradicar a pobreza — a ditadura militar acreditava  poder alcançar este objetivo, em parte, removendo as crianças do país, relata o mesmo jornal inglês. A partir de 1978, promover a adoção tornou-se na política governamental oficial. E exercer pressão nas mães para darem os filhos também. Não é que a mãe de Maria Diemar, outro bebé roubado que foi entregue a uma família de adoção na Suécia, tenha cedido: também ela viu o seu bebé ser roubado. Era, afinal, “um negócio muito lucrativo num período negro”, nas palavras de Alejandro Vega, realizador de um documentário sobre as crianças chilenas que foram retiradas às famílias.

Foi, precisamente a investigar o tema e a ler sobre todos os casos que provam as adoções forçadas no Chile, que Lieberman pôs a hipótese de pertencer ao grupo de bebés retirados às mães. Mas, ao contrário do que havia dito a assistente social, não foi para os Baixos ou Suécia. Foi, sim, para os Estados Unidos, onde foi adotado por uma família que não sabia que este tinha sido raptado. Foi com a ajuda da organização sem fins lucrativos Nos Buscamos, cujo propósito passa por reunir famílias separadas pela ditadura de Pinochet, que Scott Liberman descobriu que tinha sido roubado e que tinha uma irmã biológica. Através de uma plataforma de genealogia, fizeram testes de DNA que confirmaram o grau de parentesco

A 11 de abril Scott Liberman voou até ao Chile onde conheceu a sua família biológica. Não foi a tempo de ver a mãe: Rosa morreu em 2015, vítima de cancro dos ossos, com 58 anos. À espera no aeroporto de Concepción estava a meia-irmã, Escalona, que até então não sabia que tinha um irmão. A mãe nunca lhe tinha contado a história do bebé roubado — mas uma tia, que acompanhou a gravidez e o nascimento de Scott, confirmou.