O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) manifestou este sábado preocupação face à proposta do Governo para os novos estatutos, afirmando que “pode estar em causa” a missão e o papel da classe, admitindo eventuais medidas de luta.

“Já houve estatutos de oito ordens profissionais enviados pelo Governo. A Ordem dos Médicos ainda está a aguardar a proposta do Governo acerca dos seus estatutos, mas, de facto, estamos muito preocupados, porque esta missão da Ordem dos Médicos pode estar posta em causa. Esta missão dos médicos, o papel dos médicos, como embaixadores das boas práticas, de uma boa medicina, de bons cuidados de saúde, podem estar postos em causa com os princípios dos estatutos”, disse à agência Lusa Carlos Cortes.

O bastonário da OM falava à Lusa, a propósito da realização do Fórum Médico, em Lisboa, que discutiu a alteração da Lei-Quadro das Ordens Profissionais, “entre outros temas relevantes para a profissão médica e para a saúde pública”, e no qual marcaram presença todas as organizações representativas dos médicos em Portugal.

“Demos conhecimento deste momento difícil que o país está a atravessar às várias organizações representativas dos médicos. E está colocado em cima da mesa um conjunto de intervenções. Vamos aguardar pela proposta do Governo, pela proposta dos estatutos. Mas, se de facto, se anunciar aquilo que infelizmente é esperado, há uma série de intervenções que as organizações médicas irão desenvolver. Elas ainda não estão concretizadas, porque vamos aguardar pelo envio do documento, mas, assim que ele for recebido, depois logo veremos o que é que será desenvolvido”, adiantou à Lusa o bastonário dos médicos.

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Carlos Cortes lembrou que estão a decorrer negociações entre os sindicatos da classe e o Ministério da Saúde “sobre alguns aspetos que têm a ver com os médicos, com as remunerações, com as carreiras médicas”, mas não é tudo.

“Há um conjunto de outros aspetos que são muito relevantes para os médicos, nomeadamente, até intensificar, a capacidade que os médicos devem ter e que a Ordem dos Médicos deve ter de intervir no sistema de saúde, na qualidade assistencial do sistema de saúde. Se não for contemplado nos estatutos, se a Ordem dos Médicos não tiver aqui mais competências nesta matéria, as organizações médicas estão perfeitamente disponíveis para irem até onde for necessário para isso ficar vertido nos estatutos da Ordem dos Médicos”, vincou o bastonário dos médicos.

Em comunicado, a Ordem dos Médicos (OM) refere que a lei que enquadra as ordens profissionais e a revisão dos estatutos daí decorrente “atinge diretamente as suas competências, autonomia e independência”.

“Neste sentido, coloca em causa a sua capacidade para a autorregulação da profissão e a sua intervenção na defesa da Saúde. Também em causa fica o papel dos médicos em matérias técnicas, científicas, formativas, éticas e deontológicas que regem a profissão e que asseguram a qualidade das respostas em saúde aos utentes”, sublinha a OM.

São membros do Fórum Médico as seguintes instituições: Ordem dos Médicos, Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Federação Nacional dos Médicos, Sindicato Independente dos Médicos, Associação dos Médicos Portugueses da Indústria Farmacêutica, Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, Federação Portuguesa das Sociedades Científicas Médicas e Associação Portuguesa dos Médicos de Carreira Hospitalar.

“Incompreensível e inexplicável” a falta de vacinas

Carlos Cortes considera “completamente incompreensível e inexplicável” a falta de vacinas, considerando que demonstra “alguma negligência no tratamento desta questão” por parte das entidades responsáveis.

“Isso é um aspeto completamente incompreensível. Às vezes temos na vida situações que são inesperadas. Esta, não é, de todo, uma situação inesperada. É uma situação esperada, em que todos os anos sabemos que há um determinado número de pessoas que tem de ser vacinado”, declarou o bastonário dos médicos, em declarações à agência Lusa.

Para Carlos Cortes as entidades responsáveis tinham de ter “a cautela de prevenir esta situação” e de terem as vacinas disponíveis.

“Confesso que, para mim, é um tema completamente inexplicável, como é que esse trabalho não foi feito e, mostra aqui, digamos, alguma negligência no tratamento desta questão”, refere o bastonário da OM.

Na sexta-feira, o semanário Expresso noticiou que a vacinação gratuita, sobretudo de recém-nascidos e crianças, está a ser feita a ‘conta-gotas’, adiantando que durante este ano ainda não foram compradas as vacinas necessárias e os centros de saúde estão a utilizar doses que sobraram do abastecimento anterior, sucedendo-se os relatos de falhas na imunização por todo o país.

Também na sexta-feira, o Governo autorizou uma despesa de cerca de 46,2 milhões de euros para aquisição de vacinas e tuberculinas, no âmbito do Programa Nacional de Vacinação durante o ano de 2023.

Segundo uma resolução do Conselho de Ministros publicada em Diário da República, as cinco Administrações Regionais de Saúde (Lisboa e Vale do Tejo, Norte, Centro, Algarve e Alentejo), e entidades da respetiva abrangência já podem proceder à aquisição de vacinas e tuberculinas no âmbito do Programa Nacional de Vacinação 2023, no valor total de 46.245.572,23 euros a que acresce o imposto sobre o valor acrescentado à taxa legal em vigor.

Quanto ao facto de o número de utentes sem médico de família atribuído ter subido 4,7% entre abril e maio deste ano, ultrapassando agora os 1,7 milhões, segundo o portal da transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o bastonário da Ordem dos Médicos classifica a situação “muito preocupante”.

“O problema da falta de médicos de família repercute-se depois em todo o sistema de saúde. Porque esta questão da [ida à] urgência, obriga a que muitos dos médicos dos hospitais tenham de estar na urgência para atender esses doentes. Portanto, também não estão nas enfermarias, também não estão nas consultas, também não estão nos blocos operatórios. É um ciclo vicioso (…) e está desvirtuar completamente aquilo que se devia ser uma medicina do século XXI”, lamentou Carlos Cortes.

Outro dos assuntos que preocupa o bastonário da Ordem dos Médicos prende-se com o aumento dos internamentos sociais.

O sétimo Barómetro de Internamentos Sociais, apresentado na sexta-feira, em Lisboa, concluiu que, em março, um total de 1.675 camas dos hospitais públicos estavam ocupadas por pessoas internadas apenas por razões sociais, um aumento de 60% dos internamentos inapropriados, que deve custar ao Estado 226 milhões de euros este ano.

O bastonário dos médicos apelou a uma maior articulação entre os ministérios da Saúde e do Trabalho e da Segurança Social, defendendo igualmente o reforço do papel dos cuidadores informais e a integração do setor social nas futuras Unidades Locais de Saúde (ULS).