O advogado João Taborda da Gama defende a reintrodução da prescrição de dívidas fiscais com o objetivo de reequilibrar as regras do processo tributário.

Fisco oferece “garantias” aos contribuintes

Em entrevista ao programa “Justiça Cega” da Rádio Observador, o conhecido fiscalista entende que o modelo português de processo tributário — “de pagarmos” através do depósito de caução para “contestarmos a seguir” — respeita as liberdades e garantias do Estado de Direito mas “tem de ser equilibrado com outras matérias, com a existência de prescrição quando não existe causa imputada ao devedores.”

Outro exemplo de reequilibrio do processo tributário deve passar, no entendimento do ex-secretário de Estado da Administração Local, pelo “agravamento da condenação de pagamento de custas para a Autoridade Tributária (AT)”, na situação em que a AT tenha tido anteriormente “hipótese de revogar o ato” alvo de impugnação “por reclamação [prévia] do contribuinte.”

Taborda da Gama entende que o modelo português é preferível a outros modelos, como o brasileiro, “em que há um grande incentivo à litigância”, com recursos suspensivos que não obrigam ao depósito prévio de uma caução no valor da dívida fiscal apurada pelo Fisco.

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“Sou muito contracorrente face aos meus colegas fiscalistas. Não penso que o nossos sistema seja demasiado complexo ou que os nossos contribuintes estejam ‘desgarantidos’. O nossos sistema oferece garantias aos contribuintes no papel e na prática. Os contribuintes também têm uma via arbitral rápida, barata e transparente. É um Estado de Direito que funciona”, defende.

“Apesar de reconhecer que “há coisas que podem ser melhoradas e têm vindo a ser melhoradas”, insiste.

Novo tribunal de segunda instância “tem de ser desenhado de forma inteligente”

No âmbito do Plano Estratégico para os Tribunais Administrativos e Fiscais apresentado pela ministra Catarina Sarmento e Castro, o Governo prevê a criação de um novo tribunal de segunda instância em Castelo Branco para descongestionar os tribunais centrais administrativos do Sul e do Norte.

Fiscalidade. Inverter ónus da prova faz sentido?

Na área tributária, o estrangulamento verifica-se na segunda instância, segundo João Taborda da Gama. “Se olharmos para o Tribunal Central Administrativo (TCA) do Sul” percebemos que este tribunal “tinha recebido 1.000 processos em 2016 e entraram 1.700 em 2022. Em termos de pendências, o TCA do Sul tinha 1.600 em 2016 e tem hoje 4.300 processos em 2022.”

Taborda da Gama defende que “o Governo devia propor um aumento dos juízes desembargadores” tem dúvidas que a aposta na especialização — ou seja, um conjunto determinado de juízes ficarem mais adstritos a determinado tipo de processos, por exemplo — resolva alguma coisa.

Ora, o novo tribunal central administrativo em Castelo Branco não deverá ter uma competência territorial circunscrita àquela zona, porque as “pendências são muito reduzidas”. Além de ser uma medida de promoção de uma maior coesão territorial, “a dúvida é: vai-se lá colocar as pendências de Leiria, por exemplo? Isso será fundamental para aliviar o TCA Sul em Lisboa. Parece-me que há unanimidade de que isso terá de ser feito. Senão, o tribunal ficará como o aeroporto de Beja” — ou seja, sem aviões, leia-se: processos, alude Gama.

“Por falar em Beja”, continua o fiscalista, “onde há muitos contencioso ligado aos fundos comunitários, também vai ficar sob a jurisdição do TCA de Castelo Branco? Outra questão: os recurso das decisões do Tribunal Arbitral do Desporto também podiam vão ficar” sob a alçada “do TCA de Castelo Branco? Não há nenhuma razão para que isso não aconteça”, afirma.

“São este tipo de questões que interessam esclarecer agora. Este novo tribunal tem de ser desenhado de forma inteligente” para que se “alivie sobretudo a segunda instância em Lisboa — que tem mais estrangulamentos do que no Porto”, conclui João Taborda da Gama.