Mais de uma em cada 10 pessoas optaram por não recorrer ao sistema de saúde em 2022 em situação de doença e, em alternativa, recorreram à automedicação ou esperaram melhorar, concluiu um estudo que será esta terça-feira divulgado.

O relatório “Acesso a cuidados de saúde, 2022 — As escolhas dos cidadãos no pós-pandemia”, da autoria dos investigadores Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, da Nova SBE, concluiu que, em 2022, cerca de 14% da população optou por não recorrer ao sistema de saúde na sequência de um episódio de doença e, em alternativa, escolheram automedicar-se (43%) ou esperar que a sua doença melhorasse (57%).

“O aumento dos que não contactaram o sistema de saúde pode ser explicado pelo aumento de infeções de Covid-19, no final de 2021 e início de 2022, a par das recomendações das autoridades de saúde para não recorrer ao sistema de saúde em caso de doença ligeira”, lembram os autores.

Em sentido contrário, aumentou a proporção de doentes que assumiu ter recorrido à automedicação por ter medicamentos em casa disponíveis. Em 2021 apenas 14% dos doentes que recorreram à automedicação elegeram a disponibilidade doméstica de medicamentos como a principal razão. Contudo, em 2022 esta proporção aumentou para 50%.

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O padrão verificado em 2022, porém, inverte o histórico verificado desde 2013, quer no período da pandemia (2020-2021), quer no período pré-pandemia (2013-2019).

Na larga maioria dos casos (quer naqueles que se automedicaram, quer nos que decidiram esperar) a baixa gravidade da doença foi eleita como a principal razão para não contactar o sistema de saúde (82,2% e 88,9%, respetivamente).

“A automedicação tem sido um aspeto que nós temos consistentemente encontrado nestes inquéritos de acesso que temos feito com regularidade e estamos a começar a explorar com mais cuidado”, explicou Pedro Pita Barros, lembrando que durante o período de pandemia as pessoas foram incentivadas a ficar em casa e a tratar a doença ligeira com medicação de venda livre, como o paracetamol.

Provavelmente, admitiu, “durante estes anos constituiu-se um hábito de uma certa farmácia doméstica que as pessoas usam quando sentem pequenos problemas de saúde agora”, afirmou, acrescentando que os investigadores interpretam este aumento da automedicação como “episódico”, como consequência de um hábito criado durante a pandemia.

“Noutros países é comum as pessoas, quando sentem algum problema, a primeira coisa que lhes dizem é para tomar um paracetamol e, se não passar, ao fim de dois ou três dias, então sim, para contactar o sistema de saúde. Será que é isso que está aqui em mudança? Pode ser”, considerou o especialista.

Reconhecendo a necessidade de estudar melhor os dados referentes à automedicação, Pita Barros afirma: ” Vamos tentar perceber isso e, sobretudo — e aqui também era uma ideia diferente — pensar se existe um papel, que muitas vezes tem sido reclamado por parte das farmácias, de aconselhamento das pessoas para pequenos problemas de saúde e se, nesse apoio à automedicação, se poderá justificar um papel mais formal, ou mais estruturado, desse serviço de aconselhamento”.

“Isto para a automedicação não ser um bocadinho extemporânea e não ser à vontade de cada um”, afirmou, acrescentando: “Hoje em dia, pode ser a farmácia, para quem tem um contacto pessoal, ou pode ser uma fonte de informação credível que a pessoa possa consultar ‘online’, providenciado pelo sistema de saúde, nomeadamente o Serviço Nacional de Saúde.

O especialista diz que isto pode ser uma oportunidade para um novo tipo de contacto com os serviços de saúde, “num nível intermédio entre a pessoa decidir o que vai tomar ou ter de contactar um médico”.