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Com um postal em palco, Pedro Mexia questiona a "Suécia" como paraíso

Este artigo tem mais de 6 meses

Na primeira grande criação para teatro, Pedro Mexia mostra uma "Suécia" longe do postal imaginado. Estreia-se esta quinta-feira no Teatro Nacional São João, no Porto.

"Suécia" estreia-se no Teatro Nacional São João, no Porto, e segue para Almada em julho.
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"Suécia" estreia-se no Teatro Nacional São João, no Porto, e segue para Almada em julho.

"Suécia" estreia-se no Teatro Nacional São João, no Porto, e segue para Almada em julho.

Strindberg. Bergman. Olof Palme. Björn Borg. Os ABBA. Ibrahimović. Loreen. O IKEA – ou a IKEA. Dita a geração e o gosto que o nosso imaginário sobre a Suécia se preencha de algumas destas referências.

Em “Suécia”, peça que se estreia esta quinta-feira, 8 de junho, no Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto, Mexia recupera a imagem ficcionada da Suécia dos anos 70, um país visto como politicamente invejável, símbolo de evolução e progresso.

“Há 15 anos ou mais que ando a pensar nisto”, recorda Pedro Mexia ao Observador, por telefone, em vésperas de estreia. “[A minha curiosidade pela Suécia] tinha a ver com uma dimensão política e com uma dimensão estética. Tinha a ver com o facto de o [August] Strindberg, no teatro, e o [Ingmar] Bergman, no cinema, serem duas figuras muito importantes na minha experiência do que gosto no teatro e no cinema, por um lado, e, por outro, porque me intriga essa ideia de que a felicidade vem de um sistema político determinado”, explica.

“As pessoas que eram indiscutivelmente democratas, ao contrário dos comunistas e dos fascistas, pareceram achar a um determinado momento que a felicidade política estava na social democracia, naquele sistema de um estado muito presente, em postos altos, etc. Entreguei-me a esse tema como tema político. Depois fui percebendo, através das leituras, de como quer os suecos quer os visitantes, nomeadamente intelectuais europeus e americanos que visitaram a Suécia, tinham mais dúvidas sobre aquilo ser um paraíso, nomeadamente pela questão de haver uma cultura um pouco opressiva do consenso, pela ideia de que, no fundo, o indivíduo era um obstáculo ao estado benigno que sabia melhor do que nós o que nós queríamos para a nossa vida”.

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Deparou-se com textos como “Carta da Suécia”, de Susan Sontag, “Outono Sueco”, do intelectual de esquerda alemão Hans Magnus Enzensberger, ou com “uma passagem da autobiografia do Bergman que tem a ver com o conflito que ele teve com o fisco sueco, que o levou aliás a exilar-se durante alguns anos”. “Toda aquela discussão sobre se havia uma perseguição fiscal ou se pelo contrário se ele por ser um grande artista se achava acima do bem e do mal, isso interessou-me bastante. Que sendo o estado social sueco um dos ícones da Suécia e o Bergman o outro eles tivessem entrado em conflito. Achei que havia aí um pressuposto dramático qualquer”, recorda.

Pedro Mexia: “Muitas vezes sinto que me exponho demasiado”

A incursão de Mexia na dramaturgia não é exatamente uma estreia. Em 2009, escreveu a peça “Nada de Dois”, levada à cena no Teatro Aberto. Já em 2018 assinara o libreto da “Canção do Bandido”, uma ópera cómica que se mostrou no Teatro da Trindade. Colaborou também com dois projetos de peças curtas: Urgências, no Teatro Maria Matos, em 2004 e 2006, e o Festival Panos, na Culturgest, em 2012. “É uma estreia no sentido em que é uma peça de uma hora e meia. Nesse sentido, nunca tinha feito nada parecido com o Suécia. Não é uma estreia absoluta, mas é um pouco como a lógica das curtas e das longas metragens”, compara.

Foi desafiado por Pedro Sobrado, administrador do TNSJ, que poeta, cronista e crítico literário se lançou na escrita de uma ideia que há muito o ocupava. O resultado está aí: uma peça sobre uma Suécia no rescaldo das eleições de setembro de 1976, que ditaram o fim de meio século ininterrupto de governação do Partido Social-Democrata. O espetáculo cruza um contexto de viragem política com a iminência de um casamento, expondo relações familiares contaminadas pelas ideologias desse tempo. É um lugar “onde se discute sobre a ideia de futuro, o fim das ilusões, as boas intenções” e “onde as linhas de fronteira entre o público e o privado, o político e o íntimo se tornam indistintas”, lê-se na folha de sala.

“Portanto, o senhor é contra a igualdade, a educação, a alfabetização, o pleno emprego, a habitação, os impostos, a segurança social, o desarmamento, os direitos dos trabalhadores, a solidariedade”, acusa uma das personagens. “Se nós somos essa maravilha, porque é que temos pessoas como o senhor? Veja bem, o senhor fala através de clichés, acha que vivemos no melhor dos mundos possíveis e que devemos aceitar a omnipotência benévola do Estado, porque é o preço a pagar para sermos felizes”, responde-lhe a outra.

A cenografia de F. Ribeiro e o desenho de luz de Cárin Geada criam o postal de uma Suécia (há até uma bandeira para que não restem dúvidas quanto à geografia) idealizada e perfeita. Os figurinos de Nélson Vieira colocam-nos nos anos 70, com as suas cores garridas e calças à boca de sino. António Fonseca, Joana Carvalho, Jorge Mota, Lisa Reis, Patrícia Queirós, Paulo Freixinho e Pedro Frias encarnam as personagens. A música ficou a cargo de Pedro Cardoso (Peixe).

Ensaio de imprensa do espetáculo "Suécia" com encenação de Nuno Cardoso, que marca a estreia de Pedro Mexia como dramaturgo, Porto, 06 de junho de 2023. A peça tem estreia agendada para o dia 08 de junho no Teatro Nacional São João, no Porto. ESTELA SILVA/LUSA

Os figurinos de Nélson Vieira tratam de nos colocar no final dos anos 70, com as suas cores garridas e calças à boca de sino

ESTELA SILVA/LUSA

Mexia já fez as vezes de encenador em 2010, com uma peça de Tom Stoppard, “The Real Thing” (“Agora a Sério”, em português). “Essa encenação aconteceu porque tinha proposto ao João Lourenço, do Teatro Aberto, traduzir essa peça e devo ter falado com tanto entusiasmo da peça que o João me propôs encená-la”, recorda. “Mas foi uma coisa pontual. Não sou encenador nem pretendo ser”, frisa.

Assim, a encenação de “Suécia” ficou nas mãos de Nuno Cardoso. “A maior dádiva da democracia é poder confrontar e aprender com pessoas de pontos de vista diferentes”, diz em entrevista ao Observador, após um curto ensaio. “O Pedro parte de uma posição política um bocadinho oposta à minha no entendimento da social-democracia, mas dialogante. Isso é importante nos tempos de hoje, que são tempos de enorme crispação e falta de diálogo: mostrar como dois criadores se encontram e podem dialogar muito embora não partilhando pontos de vista. Às vezes chegamos à conclusão que os pontos em comum são bem maiores que os pontos que nos distanciam”, conclui o diretor artístico do Teatro Nacional de São João.

Também ele olhava para a Suécia e para “essa mitologia de uma terra em que tudo era possível”. “Como se sabe as coisas nunca são bem assim”, constata. “Todos nós na adolescência nos apaixonamos por um rapaz ou uma rapariga e imaginávamos que ele ou ela era tudo e depois, no primeiro encontro, descobre-se sempre que as pessoas são reais e como tudo o que é real tem defeitos. O truque é amar os defeitos, não é amar as virtudes”. Por isso, sublinha que mais que retratar o país escandinavo (“O Pedro nunca foi à Suécia e eu também não”, admite), “a peça é sobre o ser humano, sobre as nossas inquietações, sobre as nossas relações, sobre os nossos estados de alma, sobre como os nossos penhascos, se quisermos, nos levam a olhar para uma data de coisas”.

É esse o caminho que se percorre na hora e meia de “Suécia”, numa primeira parte mais incisiva sobre questões políticas e ideológicas, e uma segunda a revelar-se mais reflexiva, com temas centrais como a família e a passagem do tempo.

"A parte política está ligada àquele pingue-pongue verbal que depois a certa altura até é literalizado como um jogo de pingue-pongue", descreve Pedro Mexia.

João Tuna/TNSJ

“A peça vai sendo menos política à medida que vai sendo menos divertida. A parte política está ligada àquele pingue-pongue verbal que depois a certa altura até é literalizado como um jogo de pingue-pongue”, retoma Pedro Mexia. “Há um lado de gosto pela discussão, um lado sofístico daquelas personagens, que são todas mais ou menos intelectuais, que gostam de discutir e isso tem uma dimensão cómica, mas depois percebe-se que há um deslizamento constante entre o plano privado e o plano público. As pessoas às vezes estão a discutir política, mas já não estão a discutir política”, diz. “A filha do protagonista diz-lhe mesmo que como ele tinha grandes expectativas da felicidade política que seguraram, então agora ele já não acredita em felicidade nenhuma, todas as ideias de felicidade para ele não são bem vindas”.

Sobre a hipótese de voltar à escrita dramatúrgica, Mexia é cauteloso. “Não sei se esta não foi a primeira e a única, vamos ver. Depende de muitas coisas, de como vai correr, no Porto e em Almada (a peça figura no programa do Festival de Teatro de Almada). Vamos ver o que é que as pessoas acham. Não vou dizer que o público tem sempre razão, mas no teatro público tem alguma razão”, comenta.

Recuperamos o texto de “Suécia”. Questiona a dada altura uma das personagens: “Tanto faz conseguir ou falhar?”. “Tanto faz”, recebe de volta. Diz Mexia: “Neste caso não, se falhar não haverá segunda peça”.

Teatro Nacional São João (Porto). 8-25 Junho. Quarta, quinta e sábado às 19h. Sexta às 21h. Domingo às 16h. 7,5€-16€. 

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