O Banco Alimentar de Cabo Verde espera recolher o máximo de alimentos na primeira campanha do ano que realiza no fim de semana, na Praia, para responder à duplicação de pedidos de pessoas que já falam em fome.

Em declarações à agência Lusa, a presidente do Banco Alimentar Contra a Fome de Cabo Verde, Ana Maria Fonseca Almada, referiu que a primeira de duas campanhas anuais vai decorrer no sábado e no domingo, em 34 lojas, míni e supermercados da cidade da Praia, envolvendo 150 voluntários.

Mais uma vez, disse, a organização está a apelar a uma “boa adesão” das pessoas, mas este ano quer “incentivar a um bocadinho mais” a generosidade porque “a situação é um bocadinho mais difícil”.

A presidente deu conta que o Banco Alimentar apoia mensalmente 640 famílias na ilha de Santiago com cestas básicas, mas que, devido às crises recentes, o número de pedidos duplicou.

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“Temos o mesmo número de famílias que não estão permanentes, mas que também estão neste momento, por causa das crises, nesta situação de vulnerabilidade, a precisar de apoio alimentar”, indicou Ana Maria Fonseca Almada.

Segundo a responsável, o aumento dos pedidos está a “sobrecarregar” o Banco Alimentar Contra a Fome de Cabo Verde, onde as pessoas chegam já a falar de fome.

“Não querem que se fale, mas nós temos de falar, porque insegurança alimentar aguda é a fase 3, é praticamente fome. As pessoas dizem: não pus a panela ao lume há dois dias, não comi desde ontem, então as pessoas estão com fome”, explicou a responsável.

O Comité Inter-Estados de Luta contra a Seca no Sahel (CILSS) prevê que a situação piore até agosto em Cabo Verde, onde projeta que 41% da população terá passado por insegurança alimentar e nutricional.

“Cabo Verde está entre as fases 2 e 3, é preocupante, e essa média aumenta para 51% em Santiago e para 81% no município de Santa Cruz”, deu conta ainda a presidente do Banco Alimentar à Lusa, via telefone.

Neste sentido, espera recolher a maior quantidade de alimentos possível, nesta que será a 16.ª campanha que a organização realiza — a próxima será em novembro -, em que costuma recolher entre quatro e cinco mil quilos de alimentos.

“Já sabemos que só as campanhas não chegam, nós temos grandes donativos das empresas (…) mas desta vez gostaríamos de poder recolher um pouco mais, juntando com as doações das empresas”, disse a presidente, insistindo no apelo à “generosidade” dos praienses.

“Chegando ao Banco Alimentar, não podemos dizer às pessoas que não temos alimentos para dar”, salientou, adiantando que nas próximas semanas serão realizadas campanhas semelhantes nas ilhas de São Vicente, Fogo e Sal.

“As campanhas ajudam e muito, e desta vez, com esta situação da tripla crise, da inflação que já aumentou muito e com esta situação que se está a prever não muito boa, estamos a querer mobilizar, sensibilizar as pessoas de boa vontade, apelar à generosidade, para apoiarem o Banco Alimentar, para podermos apoiar essas pessoas”, insistiu.

O Banco Alimentar Contra a Fome de Cabo Verde foi criado em 2012 pela Fundação Donana, também presidida por Ana Maria Fonseca Almada, com o apoio da associação Entreajuda, que gere o Banco Alimentar de Portugal.

Em outubro, a representante em Cabo Verde da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), Ana Touza, afirmou à Lusa que as sucessivas crises que têm atingido Cabo Verde, da seca prolongada à pandemia ou ao aumento dos preços, não provocaram fome extrema, mas um terço da população não tem uma dieta saudável.

“Não, fome, pelo menos os nossos dados não falam nisso. Mas sim, há 100 mil pessoas que estão numa condição de maior vulnerabilidade, que são as que estão a receber alimentos”, disse a responsável.

Na mesma altura, o ministro da Agricultura e do Ambiente, Gilberto Silva, enfatizou os “ganhos” que o arquipélago já teve em matéria de segurança alimentar e nutricional ao longo de várias décadas, em que consome mais alimentos, e de melhor qualidade.

“Melhorámos consideravelmente em matéria de comercialização, aumentámos a capacidade de estoque dos alimentos, reforçámos a legislação liberalizámos a comercialização dos produtos com um impacto muito grande na democratização do acesso aos alimentos em Cabo Verde”, acrescentou.

Em fevereiro do ano passado, o primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, reconheceu situações de dificuldades e problemas de insegurança alimentar, mas descartou a existência de fome no país, tal como aconteceu na década de 40 do século passado.

De acordo com dados do Governo, Cabo Verde tem 115 mil pessoas na pobreza extrema, tendo o executivo assumido o objetivo de a erradicar até 2026.