A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) considera que a medida proposta pelo Governo para integrar investigadores precários na carreira científica ou docente do ensino superior não vai evitar o desemprego em massa destes trabalhadores.

Num parecer enviado esta semana ao Ministério da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, e a que a Lusa teve acesso, a Fenprof refere que o mecanismo de financiamento proposto pela tutela para promover o ingresso na carreira de investigadores com contrato de trabalho a terminar “não é passível de evitar o urgente e grave problema de desemprego massivo e de incumprimento da lei”.

Segundo a Fenprof, a proposta do Governo, que lhe foi apresentada em maio em sede de mesa negocial, “não promove a abertura de um número considerável de concursos de carreira em todas as tipologias de instituições atualmente contratantes e não garante os procedimentos concursais a que as instituições públicas se encontram obrigadas no término dos seis anos de contratação a termo”.

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Em abril, em declarações à Lusa após uma sessão no parlamento, a ministra da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, Elvira Fortunato, disse que seria lançado em julho o aviso de abertura de um concurso da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para a integração na carreira científica ou docente do ensino superior de investigadores cujo contrato de trabalho tenha terminado ou esteja a terminar.

Posteriormente, em maio, Elvira Fortunato afirmou que a iniciativa, prevista no Orçamento do Estado para 2023 (OE2023), seria cofinanciada por fundos europeus e pode abranger mil doutorados, cabendo às universidades e aos institutos politécnicos, no quadro da sua autonomia e com os quais a FCT assinará um contrato-programa, “definir quantos investigadores e docentes querem de carreira”.

De acordo com a ministra, o novo concurso da FCT, cuja periodicidade e financiamento não são conhecidos, visa garantir a “flexibilidade entre carreiras” docente e científica, permitindo suprir também as aposentações de professores universitários.

Na dependência do Governo, a FCT é a principal entidade que subsidia a investigação científica em Portugal, nomeadamente através de bolsas e contratos de trabalho a termo para cientistas e apoios a projetos ou instituições.

O OE2023 prevê “um mecanismo de apoio” financeiro à abertura de concursos para “a categoria da carreira de investigação científica ou da carreira de docente do ensino superior a que as instituições públicas se encontram obrigadas no término dos seis anos de contratação a termo”.

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Para a Fenprof, só “através do reforço direto das transferências do Orçamento do Estado” será possível assegurar “o financiamento total das contratações” resultantes da aplicação da legislação de estímulo ao emprego científico, de 2017, que prevê que os contratos de trabalho tenham um prazo máximo de seis anos, findos os quais os investigadores, com doutoramento concluído, têm a possibilidade de ingressar na carreira científica ou docente.

No parecer, a estrutura sindical antevê que, face à “possibilidade de contratações para a carreira docente” ser “um fator de atratividade para muitas reitorias”, a medida proposta pelo Governo poderá ser aplicada “numa percentagem reduzida” em contratações para a carreira de investigação, “contribuindo para manter o défice de pessoal permanente nas unidades de investigação”.

“É a ciência a financiar, por via da FCT, a carreira docente”, criticou à Lusa André Carmo, membro do Departamento de Ensino Superior e Investigação da Fenprof.

Em Portugal, o trabalho científico é feito, sobretudo, por investigadores bolseiros e contratados a termo. O ingresso na carreira científica, de forma mais consistente, tem sido reclamado pelos investigadores há vários anos.

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Apesar de os investigadores trabalharem em unidades científicas agregadas a universidades, e também darem aulas, as instituições têm resistido, ao longo dos anos, em abrir concursos para o ingresso na carreira científica, optando por lançar concursos para a carreira docente, invocando subfinanciamento e falta de professores.

Esta semana, a Federação Nacional da Educação (FNE) veio defender um regime de quotas para a integração de investigadores na carreira científica ou docente do ensino superior no âmbito da nova iniciativa do Governo em negociação com os sindicatos.

José Luís Abrantes, dirigente da FNE para a área do ensino superior, disse à Lusa que a medida proposta, e já apresentada à tutela, visa travar a “migração completa” de investigadores para a carreira docente, face à preferência das universidades em contratarem professores, uma vez que “têm falta de recursos”.

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