Perto de duas dezenas de trabalhadores das misericórdias concentraram-se esta sexta-feira diante da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), em Lisboa, para exigir melhores condições de salário e de trabalho, num dia de greve nacional no setor.

Ganha-se tão mal no setor social!“, “UMP, escuta, os trabalhadores estão em luta” e “É urgente, é necessário o aumento do salário” foram algumas das palavras de ordem destes trabalhadores das misericórdias e da UMP afetos ao Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP) que compareceram para o protesto, apesar da chuva intermitente.

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Em causa está, sobretudo, a não-aplicação na íntegra e a nível nacional de uma portaria de extensão do contrato coletivo de trabalho para os funcionários das instituições particulares de solidariedade social (IPSS), na qual estão previstas melhores condições profissionais, como o pagamento de diuturnidades, mais dias de férias, 37 horas semanais de trabalho e pagamento a 100 por cento do trabalho em dias de feriado.

“Umas [instituições] insistem que [a portaria] não é para aplicar. Não aplicaram em algumas totalmente o contrato, nomeadamente na questão das diuturnidades. Temos discriminações e há diferenças de aplicação da própria portaria de extensão”, afirmou a presidente do CESP, Filipa Costa, que criticou, sobretudo, um recente contrato coletivo de trabalho assinado entre a UMP e os sindicatos FNE/UGT, ao considerar que “veio instalar ainda mais confusão” e que representa o reconhecimento de menos direitos para os trabalhadores.

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Segundo Filipa Costa, durante anos o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e a UMP disseram que as Misericórdias não podiam assinar um contrato coletivo de trabalho, uma vez que a UMP não era uma associação patronal, lamentando agora “uma série de mentiras e confusões” que se disseminaram entre as IPSS. Sobre a greve, não conseguiu ainda dar números da adesão, até porque as instituições “não podem abandonar os utentes”.

“Há o cumprimento de serviços mínimos. Em muitas instituições, os serviços mínimos já são quase o funcionamento normal, porque existe muita falta de trabalhadores no setor. Aquilo que podemos dizer é que estamos a realizar vários piquetes de greve e estamos a começar a recolher dados de adesão. As instituições estão a funcionar, porque têm de funcionar, principalmente aquelas que têm serviço 24 sobre 24 horas”, explicou.

Entre as manifestantes encontrava-se Téofila Santos, de 66 anos, vestida com uma t-shirt branca com a mensagem “Somos Luta”. A trabalhar na Alzheimer Portugal desde 2013, a ajudante de ação direta sublinhou à Lusa os recentes avanços nas condições laborais na sua instituição, apesar de ganhar o salário mínimo nacional e de executar “um trabalho muito pesado”, ajudando os utentes idosos na sua higiene e alimentação.

“Eu recebo o ordenado mínimo nacional, 765 euros. Fazia um horário de 42 e 46 horas semanais e nunca recebíamos horas a mais… não eram pagas as horas extra, nem nos davam folgas. Atualmente, conseguimos um horário legal com 37 horas, conforme o contrato [coletivo] de trabalho que nós temos e estamos satisfeitas, já trabalhamos com outro ânimo e mais alegria”, disse, justificando a presença na manifestação com a vontade de “conseguir melhores condições e melhor ordenado” para os trabalhadores do setor.

Atrás da faixa do CESP a reclamar por melhores condições para os trabalhadores, Alexandrina Campos enfatizou também a necessidade de aumentar os salários e de dar outra motivação às pessoas além da mera sobrevivência. Para a trabalhadora de 58 anos do lar de idosos Casa de Nossa Senhora da Vitória, em Lisboa, esta é um problema “urgente e necessário” face ao agravamento do custo de vida no último ano.

“Trabalho nesta IPSS há 22 anos e continuo a ganhar o ordenado mínimo nacional. É incrível. É mesmo urgente o aumento do salário. E depois de condições de trabalho… é um trabalho muito desgastante, física e psicologicamente. Uma trabalhadora pode lavar sete utentes e não é justo. Há muita coisa mal nas IPSS e quem gere está a borrifar-se para o assunto”, declarou, concluindo: “As pessoas precisam de trabalhar para sobreviver. Algumas não trabalham com motivo nenhum, mas estão ali porque precisam de ganhar o seu ordenado”.