A violação de uma mulher por portugueses em New Bedford, há 40 anos, fez com que os portugueses deixassem de ser elogiados para passarem a ser mandados de volta para Portugal, afirmou a presidente do Centro de Assistência a Imigrantes local.

“Vão embora, vão para o vosso país”, foram frases que Helena DaSilva Hughes se recorda de ouvir, uma vez que testemunhou a dimensão do impacto da violação de uma luso-americana por vários portugueses, em 1983, no bar Big Dan’s.

Violação em grupo por portugueses é uma nuvem negra na comunidade em New Bedford

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No ano seguinte entrou para o centro que agora dirige, criado em 1971 para dar assistência aos portugueses que para ali emigraram, provenientes sobretudo dos Açores e da Madeira.

“Quando o caso se deu e foi noticiado estava na página sete, mas rapidamente passou à primeira página” dos jornais, disse a madeirense à agência Lusa.

E contou que o caso transformou a imagem que esta comunidade portuguesa — a maior nos Estados Unidos — tinha e que, até então, era de pessoas trabalhadoras, com casas impecáveis e que todos os patrões procuravam.

“Era uma comunidade integrada e envolvida, que veio para aqui para trabalhar e melhorar a sua vida, que tinha os filhos a estudar e planos para o futuro”, disse.

Quando a violação se deu, a comunicação social divulgou a nacionalidade dos violadores — portugueses —, e a partir daí passou a existir um público norte-americano disposto a acusar toda a comunidade.

“Automaticamente, toda a comunidade passou a ser julgada. E este foi o maior erro e a maior injustiça”, observou.

“Não foram só os quatro homens que fizeram a violação, toda a comunidade portuguesa esteve no banco dos réus”, prosseguiu, lembrando que, até então, “não existiam quaisquer conflitos”.

Foram tempos de perseguição aos imigrantes, neste caso portugueses, que a administração de Donald Trump fez reviver, pois o ex-presidente norte-americano “deu oportunidade às pessoas que eram racistas e contra os imigrantes de se revelarem”, disse.

Com Trump, ouviu as mesmas frases que, há 40 anos, eram dirigidas aos portugueses, mas agora para cidadãos de outras nacionalidades, pois os portugueses rapidamente “conseguiram ultrapassar o triste acontecimento”.

Mas, adianta, foi “uma marca negra” no coração desta comunidade, uma “marca grande”.

Quatro décadas depois, e perante um recente documentário da Netflix sobre o assunto, Helena DaSilva Hughes lamenta que a mensagem que acompanha as imagens das manifestações de portugueses aquando do julgamento dos criminosos continue a dar a ideia de que os portugueses estavam contra a vítima.

“A luta, o protesto, foi contra a forma como os portugueses estavam a ser julgados, acusados, discriminados. Não concordávamos com os violadores, o que fizeram foi um crime, mas não tínhamos de pagar todos por isso, só porque éramos portugueses”, disse.

“Vim da Madeira com 10 anos. Primeiro veio o meu pai, depois foi a mãe, com sete filhos. A família veio para dar melhores condições aos filhos. Trabalhámos, temos as nossas casas, filhos, netos. Agarrámos uma oportunidade para um bom futuro”, referiu.

E lamentou que, mais uma vez, o documentário da Netflix apresente a comunidade portuguesa a criticar o julgamento dos violadores, quando queria apenas protestar contra o julgamento da comunidade.

Não ignora, contudo, que algumas pessoas acabassem por criticar a vítima da violação, por ser ela que esteve na origem do caso. Mas foi ela a vítima, ressalvou, a par de todos os outros portugueses que foram julgados pelos americanos.

E ilustra a dimensão do caso com o facto de, ainda hoje, existirem mulheres que não vão ao Centro da Mulher local porque, na altura do julgamento, prestou apoio a Cheryl Araújo, a luso-americana violada.

“Infelizmente, passou a ideia de que apoiar a vítima era estar contra os portugueses”, disse.

No olho deste furacão esteve o facto de o julgamento do caso Big Dan’s ter sido o primeiro a ser transmitido por televisão.

Apesar dos cuidados definidos previamente, de forma a proteger a identidade da vítima, na altura do juramento, Cheryl acabou por dizer o seu nome, divulgando-o assim para todo o mundo, que seguiu o julgamento como uma telenovela.

Morreu três anos após a violação, em Miami, para onde fugiu da pressão que sobre si se abateu.