No que toca à política monetária, a coabitação entre São Bento e Belém está de boa saúde. Esta quinta-feira, António Costa, que está em Bruxelas para uma reunião do Conselho Europeu, mostrou-se alinhado com as críticas de Marcelo Rebelo de Sousa ao Banco Central Europeu e avisou que a incapacidade de “compreender” a origem da escalada inflacionista não ajuda a combatê-la: “Se não acertamos no diagnóstico, a terapia raramente acerta”.

Questionado pelos jornalistas em Bruxelas, um dia depois de Marcelo ter pedido “cuidado” e “ponderação” ao BCE nas declarações sobre o aumento das taxas de juro, Costa acompanhou os avisos do Presidente da República: “O BCE é soberano na definição da política monetária e não tem havido suficiente compreensão da natureza específica do ciclo inflacionista” nem dos “fatores que têm alimentado essa tensão inflacionista”, argumentou.

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Para o primeiro-ministro, “hoje é mais ou menos claro que o aumento de lucros extraordinários tem contribuído mais [para a subida da inflação] do que as subidas salariais”. E deixou um aviso, recordando as recentes declarações de Mário Centeno, que previu a descida das taxas Euribor no fim do ano: “Esperamos a partir de setembro começar a retomar uma trajetória de política monetária mais adequada” para famílias, empresas e salários.

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Outra expectativa é a de que o PS continue a reduzir o IRS e que as famílias sintam rapidamente no bolso as melhorias dos indicadores económicos que o Executivo tem anunciado insistentemente. Neste ponto, Costa fez questão de lembrar que esse foi um dos assuntos mais debatidos na última campanha eleitoral e que os socialistas elegeram “ao contrário do PSD” (que prometia primeiro uma redução do IRC) a descida do IRS como prioridade.

“Temos vindo a cumprir, [o IRS] baixou em 2022, baixou em 2023, e já anunciámos que vamos prosseguir a redução até ao fim da legislatura. O PSD defendia uma redução eventual”, mais para a frente e dependendo das condições económicas. “O que fizemos e propomos é o dobro”, atirou Costa, numa altura em que o PS acredita que essa redução tem de prosseguir de forma expressiva já este ano. Além disso, prosseguiu o primeiro-ministro, o Governo faz uma “avaliação positiva” do impacto da redução do IVA zero, “portanto é para manter”.

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Em Bruxelas, o primeiro-ministro frisou ainda a importância de negociar regras económicas para a zona euro tendo em mente as “lições do passado”, para garantir que as regras são “iguais para todos mas negociadas entre cada Estado e a Comissão Europeia, e não imposições externas sobre política interna de cada Estado-membro”. A mesma lógica aplicada à necessidade de assegurar que há um fundo para resposta a crises: “As crises não são permanentes mas recorrentes, não podemos abrir cada vez que acontece uma a discussão sobre se precisamos ou não de ter um instrumento”.

Até porque, frisou Costa, a experiência da Covid-19 mostrou que é possível usar instrumentos comuns e “salvar milhões de postos de trabalho” — “e quando não tivemos mecanismo de apoio para a crise o resultado foi o que foi, as coisas correram mal”. Por isso, o primeiro-ministro disse ter alguma “dificuldade” em compreender “a persistência de alguns Estados” em não aceitar um mecanismo comum: “Temos uma experiência empírica muito evidente”.

Num Conselho Europeu em que também será discutido o Pacto das Migrações, Costa defendeu ainda que a imigração “não é um problema nem um custo” e que o exemplo do acolhimento aos refugiados ucranianos deve “inspirar-nos” e ser aplicado a outros casos, de imigrantes e refugiados que cheguem de outros países.