O número de ecografias feitas por grávidas no SNS está a aumentar, e os problemas que têm surgido — nomeadamente de atraso no acesso às eco obstétricas —, explicam-se pela falta de profissionais com qualificações para fazerem este tipo de exame. As declarações são de Manuel Pizarro, titular da pasta da Saúde, que, no Parlamento, respondia às perguntas dos deputados sobre esta questão. O ministro afirmou ainda que o problema de acesso está resolvido no Norte e no Centro, mas persiste no Algarve, Alentejo, Lisboa e Vale do Tejo, regiões onde há maior carência de profissionais de saúde devido à maior exigência da Ordem dos Médicos sobre quem pode fazer estes exames de diagnóstico.

O ministro da Saúde esteve, na manhã de segunda-feira, a ser ouvido na Comissão de Saúde, na sequência de quatro requerimentos: um do Chega, um da Iniciativa Liberal e dois do Bloco de Esquerda. A audição do ministro começou por focar-se na reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS), seguindo-se a falta de acesso das grávidas às ecografias obstétricas no SNS. O terceiro requerimento teve como tema central a interrupção voluntária da gravidez e o quarto a situação nas urgências hospitalares.

Como o Observador noticiou, as grávidas acompanhadas no SNS têm cada vez maior dificuldade em realizar ecografias obstétricas, não só devido à falta de médicos, mas devido à redução do número de clínicas privadas com convenção com o SNS.

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Embora reconhecendo que há problemas, Manuel Pizarro garantiu que há “níveis muito elevados, na ordem dos 80%”, de grávidas acompanhadas no SNS, e, em consequência, também o número de ecografias realizadas “está a aumentar” nos hospitais públicos. A explicação da falta de acesso a ecografias, segundo o ministro da Saúde, está relacionada com a falta de obstetras, frase que repetiu várias vezes durante a discussão do requerimento da Iniciativa Liberal.

Esta falta de especialistas, esclareceu o ministro, prende-se com alterações feitas em 2019 pela Ordem dos Médicos. Nessa altura — e depois do caso de um recém-nascido, que ficou conhecido como o bebé sem rosto, que nasceu com várias malformações que não foram detetadas durante as ecografias — a Ordem dos Médicos aprovou a criação do Colégio da Competência em Ecografia Obstétrica Diferenciada. A partir daí, qualquer médico que quisesse continuar a fazer este tipo de exames tinha de ver as suas habilitações reconhecidas.

Segundo o ministro, esta decisão, que trouxe mais segurança aos exames, levou à diminuição do número de médicos habilitados a fazer ecografias, quer no público, quer no privado. Em contrapartida, Manuel Pizarro frisou que, no passado, foram abertas 53 vagas para formação de médicos obstetras, o maior número da última década, para fazer face a este e a outros problemas.

“A principal dificuldade é formar profissionais”, frisou Pizarro, garantindo que o problema de acesso a ecografias está resolvido nas regiões Norte e Centro, embora persistam no Algarve, no Alentejo, e em Lisboa e Vale do Tejo.  “A Ordem dos Médicos aumentou a exigência de quem pode fazer ecografias obstétricas”, sublinhou o ministro e, ao querer “uma garantia absoluta de qualidade” há um “tempo de adaptação” às novas regras que se refletem na quebra de profissionais. No entanto, a expectativa é de que o problema se resolva, já que o número de especialistas que entra no sistema tem vindo a crescer.

O problema é, acima de tudo, um “problema de recursos humanos”, disse o ministro, que afeta o setor público e privado. Neste momento, Manuel Pizarro considera que o pior que o Governo poderia fazer era tomar decisões que levassem a que estes especialistas abandonassem o SNS.

Interrupção da gravidez será feita em centros de saúde

Em Portugal, o sistema que permite às mulheres interromperem, de forma voluntária, a gravidez funciona. Apesar disso, o Governo prevê que os centros de saúde possam começar a realizar o procedimento, mediante certas condições. As novas ULS também poderão entrar nesta equação. A convicção de Manuel Pizarro foi expressa na Assembleia da República, durante o terceiro requerimento (Bloco de Esquerda) que o levou esta segunda-feira a estar cerca de cinco horas a ser ouvido pelos deputados.

O requerimento dos bloquistas focava-se nos problemas surgidos no SNS e que têm impedido algumas mulheres de interromperem a gravidez.

Sobre este assunto, o ministro da Saúde foi claro: os problemas que existem “são pontuais” — embora tenham de ser resolvidos — e, “globalmente, é inequívoco que o sistema funciona”. Segundo um relatório recente da ERC, Entidade Reguladora da Saúde, um terço dos hospitais (15 em 44) acreditados não realizam interrupções de gravidez.

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O ministro da Saúde lembrou que em alguns casos não haverá profissionais de saúde disponíveis para realizarem este procedimento devido a objeção de consciência. “Da mesma forma que as mulheres têm direito inalienável ao acesso à IGV, os profissionais de saúde têm direito a manifestarem a sua objeção de consciência. Estamos a falar de uma matéria em que as minhas convicções não têm de se sobrepor às convicções dos outros”, disse Manuel Pizarro. Segundo o ministro da Saúde, há centros hospitalares onde todos os médicos são objetores de consciência. No entanto, não detalhou quais.

Quanto aos centros de saúde, esta opção só poderá acontecer depois de garantidos todas os requisitos técnicos. “A melhor forma de matar uma boa ideia”, disso o ministro referindo-se às consultas de IVG nos centros de saúde, “é pô-la no terreno sem solidez”, acrescentando que é preciso tempo para a preparação dos profissionais.

Pizarro prevê 250 novas Unidades de Saúde Familiar tipo B para 2024

Em janeiro de 2024, serão criadas 250 novas Unidades de Saúde Familiar tipo B, afirmou o ministro da Saúde no Parlamento, garantindo, ao mesmo tempo, que as novas Unidades Locais de Saúde (ULS) não irão enfraquecer os cuidados de saúde primários, já que a sua criação foi alvo de “enorme escrutínio”.

No verão, o Ministério da Saúde anunciou alterações profundas nas Unidades de Saúde Familiar (USF) que tinham como objetivo dar médico de família a 250 mil utentes. Entre as medidas, previa-se que as 268 USF modelo A que existem fossem transformadas em modelo B, com remuneração associada ao desempenho dos profissionais de saúde. Além disso, está previsto criar 31 novas Unidades Locais de Saúde.

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“Vamos promover o alargamento a todo o país e a multiplicação das USF tipo B”, disse Manuel Pizarro, frisando que os cuidados de saúde primários têm de continuar a ser reforçados. “A nossa estimativa”, disse o ministro, é que o decreto lei que cria o novo modelo das USF, permita, “já em janeiro de 2024, promover a transição para USF de tipo B de cerca de 250” unidades de saúde de tipo A.

Durante as respostas ao primeiro requerimento do dia, apresentado pelo Chega, Pizarro garantiu haver um estudo e um plano para cada uma das novas ULS. Quando o diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, apresentou este alargamento, previu que as 31 novas ULS estariam a trabalhar a partir de janeiro próximo.

Urgências consomem 18 milhões de horas de trabalho

A fechar os requerimentos que levaram Manuel Pizarro à Assembleia da República nesta segunda-feira, esteve o tema das urgências hospitalares e o caos em que têm estado mergulhadas nas últimas semanas. O ministro da Saúde disse aos deputados que não há, com os recursos atuais, qualquer hipótese de ter todas as urgências do país a funcionar, durante todo o tempo.

Não há profissionais disponíveis para “garantir uma porta aberta em todos os sítios, em todas as especialidades”, argumentou Pizarro.

“Não vale a pena alimentar essa demagogia”, disse o titular da pasta da Saúde, referindo que os serviços que estão a funcionar “são completamente sobrecarregados com a atividade na urgência”. Sobre esta questão, Manuel Pizarro sublinhou que a literacia dos utentes é fundamental para que, cada vez mais, apenas se dirigirem às urgências os doentes que realmente precisam delas.

De resto, o ministro da Saúde apresentou as contas aos deputados: as urgências dos hospitais públicos consomem cerca de 18 milhões de horas de trabalho — entre o horário dos médicos, horas extraordinárias e tarefeiros — o que deve “merecer uma preocupação em matéria de reorganização dos serviços”.