A coreógrafa luso-angolana Bibiana Figueiredo apresenta no festival Dias Da Dança (DDD) o seu trabalho “Muala”, o primeiro de uma trilogia que retrata e expõe a luta pela afirmação e sobrevivência da mulher africana.
Bailarina, professora de dança e coreógrafa, Bibiana Figueiredo reside atualmente em São Tomé e Príncipe, onde se dedica à educação artística, produção cultural e educação pela arte na RaizArte, escola de dança contemporânea que criou em 2017 para promover as artes performativas.
No seu percurso, destaca-se o solo “Muala”, estreado na bienal Kinani, em Maputo, espetáculo que integra a programação da edição de 2024 do DDD.
A performance — que toma como palco o Mercado do Bolhão, no Porto — é um retrato de vida e esperança de igualdade de oportunidades, respeito e condição digna de ser e estar.
Em “Muala” — mulher em crioulo forro, uma das línguas faladas em São Tomé e Príncipe — a dança e o teatro fundem-se, dando vida ao corpo de uma mulher em constante mutação, numa luta pela afirmação e pela sobrevivência como condição única de vida.
Num encontro informal com jornalistas esta semana, a artista disse ver “Muala” como um espaço de reflexão e questionamento. Para Figueiredo, ser mulher, em São Tomé e Príncipe, Angola ou Moçambique, países onde as necessidades mais básicas como a água ou o saneamento básico são desafios diários, não tem espelho em qualquer país europeu.
“Este meu trabalho vem abrir espaço para esta reflexão sobre esta entidade [a mulher africana] que é tão complexa, mas tão bonita. Há uma força da resiliência, que é aquilo melhor define, aquilo que vivem todos os dias”, afirmou.
Em 25 minutos, Bibiana Figueiredo confronta o público com várias dimensões: “o posicionamento da mulher africana, dela perante ela mesma, dela perante a sociedade, dela perante a política, dela perante a economia”.
O espetáculo espelha ainda a sociedade machista, que também ela, Bibiana, enquanto mulher e artista, continua a experienciar diariamente. “Muala” é por isso “um grito de esperança”, tão atual em países africanos, mas também para lá deles.
Este trabalho, explicou a bailarina e coreógrafa, é o primeiro de uma trilogia na qual está a trabalhar. “Vidas de Pedra” já tem estreia marcada em Luanda, onde sobe ao palco da Casa das Artes, a 20 de julho.
‘Vidas de Pedra’, tem para mim um significado muito especial porque fala da história da minha avó, daquilo que ela passou e viveu durante o tempo colonial, durante a guerra e após a independência. É um trabalho muito forte, porque para além de a mulher não ter direito à sua identidade, ou ter dificuldade em perceber quem ela é, há um usufruto do seu corpo durante todo este processo das ex-colónias portuguesas”, detalhou, acrescentando estar já a pensar no terceiro vértice desta trilogia.
Sobre o dever de restituição de Portugal para com as ex-colónias, trazido para a ordem do dia pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a artista que nasceu em Portugal, não tem dúvidas.
“Acho que [é devido] um pedido de desculpa, um pedido de perdão muito grande que ainda não foi feito. E, esse pedido de perdão pode ajudar a dar às pessoas aquilo que elas merecem que é a dignidade, uma dignidade que elas próprias desconhecem”, defendeu, considerando que apenas depois disso deve Portugal passar “para as coisas mais práticas”, aprofundando nomeadamente o trabalho de colaboração com as ex-colónias.