Entre os anos 70 e 90, um filme de ficção científica (FC) como Borderlands, de Eli Roth, seria uma série B de orçamento curto e contadinho até ao último tostão, realizada nos EUA por um realizador tarefeiro como Charles Band ou Sam Firstenberg, ou em Itália por um Sergio Martino ou um Enzo G. Castellari, que garantiam uma rodagem rápida e sem problemas; interpretada por atores de terceiro plano, pouco conhecidos ou veteranos que já tinham vivido dias bem melhores em termos de escolha; contendo efeitos especiais muito pouco sofisticados; e destinada ou ao mercado caseiro do straight to video, ou então à estreia em cinemas especializados na exibição neste tipo de produções, os quickies de FC, terror, policial e de acção – e se os havia em Lisboa.

Borderlands poderá ter a aparência de um desses filmes, e mesmo ser tomado por um deles pelos espectadores mais jovens ou com escassa quilometragem cinéfila. Mas trata-se na realidade de uma adaptação – mais uma! – de um jogo de vídeo de sucesso, assinado por um realizador com pergaminhos no cinema de terror, de fantasia e do thriller (HostelInferno CanibalO Mistério da Casa do RelógioKnock Knock-Perigosas Tentações), dispondo de um anafado orçamento de 120 milhões de dólares e com um elenco em que constam nomes como Cate Blanchett, Jamie Lee Curtis, Jack Black ou Kevin Hart. Desas velhas e saudosas séries B despachadas, baratuchas e com uma história pão pão, queijo queijo, Borderlands só tem mesmo o aspeto.

[Veja o trailer de “Borderlands”:]

Se eu tivesse uma nota de cinco euros por cada filme mau que já vi baseado num jogo de vídeo (e agora começa também a haver séries), estava rico e a viver num condomínio de luxo nas Bahamas. E Borderlands era mais um que ia ajudar a encher a conta bancária. Desde o início que os jogos de vídeo se habituaram a pilhar o cinema de género para construírem as suas narrativas, situações e personagens, e este não foge à regra. É um western de FC passado num remoto, devastado e mortífero planeta de uma galáxia longínqua chamado (muito originalmente) Pandora, onde uma raça superior de alienígenas escondeu o tesouro do seu enorme poder e superior conhecimento.

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[Veja uma entrevista com Cate Blanchett:]

Cate Blanchett interpreta Lilith, uma temível caçadora de prémios que é contratada por Atlas, o poderoso dono de uma enorme corporação galáctica, para que encontre Tina, a filha dele, raptada por antigos membros da sua milícia privada e levada para Pandora, e que poderá ser a chave a descoberta daquele tesouro alienígena. Lilith aterra em Pandora e acompanhada por Claptrap, o inevitável robôzinho de piquete, que nunca se cala e defeca chumbo, descobre que as coisas não são bem como Atlas lhe explicou, e que Tina, longe de ser refém daqueles, está a acompanhá-los de livre vontade. Forma-se então um grupo heteróclita de aventureiros, perseguido por um lado pelos homens de Atlas, e enfrentando perigos e horrores sucessivos pelo outro, enquanto procura a herança deixada aos humanos pelos altruístas aliens.

[Veja uma sequência do filme:]

Pense-se numa situação feita, num cliché de enredo, numa personagem-tipo, numa tirada de carregar pela boca, até mesmo num efeito especial estereotipado, e encontramo-los todos no argumento de Borderlands, que rouba descaradamente em todas as direções e a todas as categorias, desde Guerra das Estrelas a Mad Max, passando por Os Sobreviventes do Fim do Mundo. E que, apesar de vir assinado por Eli Roth e Joe Crombie, parece mais ser um produto da Inteligência Artificial (IA). Podemos mesmo dizer que a haver um filme que pareça escrito e realizado pela IA, ele é Borderlands.

Resta apenas referir, e porque não vale a pena gastar tanta cera com tão ruim defunto, que as interpretações de Cate Blanchett, Jamie Lee Curtis e dos restantes atores são todas regidas pela lei do menor esforço, e que a criancinha que personifica Tina devia ser proibida de voltar a representar. E que há momentos (muitos, mesmo) em que as tiradas postas na boca da Lilith de Blanchett são tão inenarravelmente batidas e ridículas, que chegamos a ter vergonha alheia. Esperamos que lhe tenham pago regiamente para fazer tão embaraçosas figuras neste pedaço de sucata cinematográfica vinda do cosmos.