Enviado especial do Observador em Paris, França

Mais uma madrugada de espera por uma mensagem de sim ou não, mais um dia em que nem sequer deveria haver um talvez na equação. As provas no rio Sena tornaram-se um dos casos destes Jogos de Paris sem que fossem na verdade um “caso”, tendo em conta que no final imperava sempre a vontade da organização e essa quase necessidade de fazer imperar aquilo que era outro dos ex libris de uma edição feita para ser diferente, mais sustentável a nível de custos e capaz de recolocar a capital francesa no centro do mundo pelas melhores razões depois de toda a problemática social, política e económica vivida nos últimos anos. Eles queriam, eles fizeram, eles passaram ao lado de regras tão elementares como a do bom senso de perceber que bastava haver um teste negativo às águas para se procurar soluções. Esta quinta-feira, houve mesmo prova.

Com vários planos alternativos preparados, da troca de dias ao local onde se realiza a canoagem aqui em Paris, a organização considerou que os testes à qualidade da água feitos nas últimas horas eram suficientes para garantir a realização da prova sem eventuais problemas. Para Angélica André, que passou a ser olhada de outra forma depois da medalha de bronze nos dez quilómetros conseguida nos últimos Campeonatos do Mundo de Doha (e foi décima na competição mais curta de cinco), podia não ser mau. Pelas correntes, e no Sena todos os triatletas falaram nisso, pela confusão na parte inicial, pelas pontas finais fortes que tem mostrado. Ainda assim, esta seria uma espécie de prova à parte de todas as outras. Para si e para todas.

“Temos visto que Paris tem tentado amenizar a situação do Sena e vi que fizeram um reservatório por causa da chuva. Vejo isso com alguma tranquilidade. O primeiro objetivo é poder vingar-me de Tóquio. Claro que, depois de um Mundial extraordinário que tive em fevereiro, não vejo que haja impossibilidades de alcançar mais do que o resultado que tive em Tóquio e esperar um grande resultado”, apontara a atleta de 29 anos do FC Porto, que não esquecera aquilo que se passou no Japão onde não foi além da 17.ª posição. A rapariga que começou muito cedo na natação, que chegou a fazer Europeus de Piscina Curta nos 400 metros mas que há uma década passou para as águas abertas procurava o momento de afirmação total nestes palcos.

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Trabalho não faltou. Foram 100 quilómetros por semana nadados, com especial afinco depois da presença nos Jogos de Tóquio, repartidos por 15 sessões de treinos com trabalho na água, no ginásio e na recuperação na fisioterapia de alguém que admitiu ter sentido receio nos dois primeiros testes feitos nas águas abertas antes de abraçar de vez a disciplina. Tudo foi feito mas, esta manhã, o resultado voltou a não sair: numa prova em que um grupo de dez atletas conseguiu partir cedo das restantes atletas e houve depois uma gestão dos diferenciais de distância, Angélica André acabou por fazer uma corrida de trás para a frente apostando tudo sobretudo na sexta e última volta a terminou em 12.º, a apenas seis segundos do diploma olímpico.

No final, com visíveis marcas na cara do esforço de mais de duas horas a nadar um rio Sena com correntes fortes, a atleta portuguesa mostrou-se satisfeita por ter alcançado o seu primeiro objetivo, que era melhorar o 17.º posto de 2020, fez o melhor resultado nacional numa edição dos Jogos e apontou para o futuro. Angélica André terminou com o tempo de 2.06.17, numa prova que voltou a ser ganhar pela campeã do Rio-2016, a neerlandesa Sharan van Rouwendaal (2.03.34). A australiana Moesha Johnson, que esteve muito tempo na liderança, ficou em segundo com a marca de 2.03.39, ao passo que a medalha de bronze acabou por cair para a italiana Ginevra Taddeucci (2.03.42). A brasileira Ana Marcela Cunha ficou em quarto (2.04.15).

“Foi uma prova em crescendo mas sobretudo na parte final foi mais tentar fazer o melhor resultado. Como já tinha dito, queria vingar-me de Tóquio e sabia que no final estavam ali boas nadadoras, que têm sempre uma grande possibilidade de ser medalhadas e já foram. Sabia que estava ali numa boa posição para dar tudo no final e alcançar este 12.º lugar. O primeiro objetivo era este, fazer melhor do que o 17.º de Tóquio. Nos dias anteriores a corrente estava ainda mais forte, acho que eles fecharam mais um bocadinho a barragem. O tempo em si não é importante na nossa modalidade mas normalmente fazemos a prova em duas horas e foi duas horas e cinco ou seis minutos. Não foi muito longe mas estava forte e quando é assim aquilo que temos de fazer é uma gestão da prova do início ao fim”, começou por dizer na zona mista, a colocar de vez em quando a mão na testa a fazer de pala para conseguir olhar com um visível escaldão na cara.

“Dúvidas sobre a prova? Era tentar estar o mais tranquila possível para que chegássemos ao dia que fosse e estivéssemos bem, física e psicologicamente. Todos os pormenores estavam prontos e estava tranquila com essa questão. Vasco Vilaça? Não mexeu, é sempre chato… O Comité Olímpico está sempre em cima de nós, nadadores e triatletas que nadamos aqui. Tomámos as precauções todas, bebi muita água mas é esperar para ver, que não tenha havido nada. Tomámos probióticos para ajudar, foi mais por aí. Se foram ou não falando com os atletas por causa da qualidade da água? Bem, foi mais essa segunda opção, iam pondo todos os dias as análises que faziam antes da prova. Futuro? Agora ter umas boas férias. Foi um ciclo curto de três anos, consegui algo que nunca tinha conseguido nas águas abertas e quando recomeçar ter esta vontade de querer mais”, acrescentou ainda a atleta portuguesa, ainda a recuperar do esforço da prova.