Abanou a cabeça, colocou a mão na cara como quem não queria ver aquilo que se estava a passar, despediu-se de forma rápida do homólogo do Moreirense, saiu de rompante com um dos responsáveis pela segurança do clube por perto. A reação de Rui Costa ao golo sofrido pelo Benfica em Moreira de Cónegos nos últimos minutos tornou-se rapidamente viral e nem mesmo o empate de Marcos Leonardo nos descontos, que evitou apesar de tudo a segunda derrota dos encarnados no Campeonato apenas em quatro jogos, atenuou aquele que era o sentimento geral no final da partida: mais protestos, mais insultos, mais lenços brancos, mais uma dose redobrada de cânticos que passa a parte do treinador e tende a chegar também ao presidente.

Esse, como explicam ao Observador, é um dos principais problemas do atual momento das águias. No final da última temporada, que terminou com o Benfica na segunda posição e a ter como único momento alto da época a conquista da Supertaça em agosto frente ao FC Porto (entre uma presença falhada na fase de grupos da Liga dos Campeões, atenuada com a subida ao terceiro lugar na última jornada), a contestação a Roger Schmidt já se fazia sentir. Rui Costa, que sabe melhor do que ninguém o que é preciso para ganhar, tinha uma de duas opções: segurar o alemão, acreditando que o trabalho na mudança de paradigma do futebol dos encarnados tinha resultado no primeiro ano e que a segunda época foi circunstancial, ou deixar cair o germânico. Foi pela primeira. Mais do que isso, “colou” em demasia a sua imagem a essa mesma defesa.

O presidente do conjunto da Luz, antigo jogador, capitão e administrador executivo que conhece bem a massa associativa do clube, não esqueceu manifestações como aquela que houve no Algarve, a seguir a um encontro com o Farense, considerando que a mesma não tinha sido espontânea e trazia algo mais por trás. Também por isso, e sem colocar em causa o facto de ter sido uma temporada aquém das expetativas no plano desportivo, defendeu Schmidt apesar do grau de exigência que está inerente de forma natural no Benfica.

“Houve exibições que não agradaram, não satisfizeram e levaram a críticas que respeito. No entanto, como disse Roger Schmidt e como digo sempre, quem está nesta posição, dentro do campo, o que mais pretende é que o clube esteja unido. De certa forma, este ano na parte final isso aconteceu nomeadamente quando o título já era uma miragem, a desilusão de sair dos quartos de final da Liga Europa também aconteceu. Tem de aceitar-se que os adeptos tenham contestado e criticado a época mas o que é certo é que vamos partir para uma época nova e tenho a certeza absoluta de que não há nenhum benfiquista que não queira começar bem a época e começar a lutar pelo título e que queira essa divisão quando a época começar. Só todos juntos podemos alcançar alguma coisa, sabemos o quanto valemos todos juntos”, apontou em entrevista.

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“Acho que estão reunidas as condições para continuar a ser treinador do Benfica. Roger Schmidt vai continuar a ser treinador do Benfica. De resto, nunca houve da nossa parte uma notícia contrária a isso e se não considerasse que ele tivesse todas as condições para continuar a ser treinador a minha opção seria até mais fácil, mais populista. Acredito na estabilidade do projeto, no treinador que já deu mais do que mostras da qualidade dele. O que foi feito na época passada não pode ser obra do acaso. Este ano houve coisas que não correram como esperávamos e desejávamos, acabámos a temporada aquém do que eram as expectativas iniciais mas não faço nem nunca farei deste treinador um bode expiatório porque não foi o único responsável. É com ele que tenho a máxima convicção de que iremos conquistar títulos no próximo ano e é nesse sentido que já estamos a trabalhar há imenso tempo para emendar o que não foi bem feito este ano, e para que possamos entrar na próxima época da mesma forma que entrámos há um ano”, acrescentou na mesma intervenção, transmitida pela BTV mas com presença de jornalistas de variados órgãos no Seixal.

A época mudou, sendo que pelo meio houve duas Assembleias Gerais do clube no mesmo dia que mostraram como a imagem de Rui Costa tinha ficado colada à de Roger Schmidt depois dessa tomada de posição e onde muitas das intervenções mais críticas do líder dos encarnados visavam também a questão técnica, as coisas não tiveram uma viragem assim tão grande. Por um lado, o alemão está a ser ainda mais contestado depois da derrota a abrir o Campeonato com o Famalicão. Por outro, o próprio presidente viu aumentar o tom das críticas também pelas operações feitas neste mercado de transferências como a venda de João Neves ao PSG por 60 milhões com muitas dúvidas se seria esse o desejo do jogador ou a saída de David Neres sem haver propriamente uma grande mais valia entre compra e venda num plantel sem muitos alas.

Rui Costa, tal como Roger Schmidt, acreditava que tudo iria mudar. Rui Costa, como Roger Schmidt, foi percebendo que não estava a mudar. Rui Costa, para já sem Roger Schmidt, pode estar prestes a mudar.

Como explicou o jornal A Bola e confirmou o Observador, já estavam duas reuniões marcadas para este sábado na Luz ligadas à questão das contas (como acontece em todos os clubes nesta fase do ano), tendo em conta a necessidade de apresentação do Relatório e Contas do exercício 2023/24 que é sufragado sempre em setembro, mas o espaço de encontro entre Direção do clube e entre administração da SAD, com Rui Costa em ambos, poderá motivar uma reflexão sobre o futuro do futebol dos encarnados. Prioridade? Decidir os dois pontos essenciais para os próximos meses e que não têm grande margem para esperas.

Por um lado, a continuidade de Roger Schmidt – que pode estar mesmo em risco. A par dos resultados, com o Benfica a poder ficar a cinco pontos de Sporting ou FC Porto caso um consiga ganhar no clássico desta noite em Alvalade, existe a perceção de que algo não está bem. A equipa está a jogar menos do que era esperado, enfrenta dificuldades anormais em marcar golos, não deu prolongamento a pontos positivos da pré-temporada como o rendimento de Pavlidis, enfrenta mais lesões musculares nesta fase do que se podia pensar, continua a ter lacunas no plantel complicadas de disfarçar. O papel do técnico alemão para dar a volta à situação é a chave para o outro ponto fulcral em cima da mesa e que passa pela forma de atacar as últimas horas do mercado de transferências tendo em conta as carências existentes do meio-campo para a frente (a nível de saídas, depois da saída de Morato, nenhum dos habituais titulares irá sair mas ainda poderão existir cedências como João Mário a título definitivo e Arthur Cabral apenas por empréstimo).

A confirmar-se a continuidade de Schmidt, o mercado seguirá o rumo que estaria definido para os últimos dias até à meia-noite de segunda para terça-feira; caso o alemão saísse, o que teria de envolver sempre um acordo com o técnico tendo em conta os valores acordados para a renovação até junho de 2026, o futuro imediato do comando técnico dos encarnados, fosse numa decisão a curto prazo, fosse numa perspetiva de projeto a médio/longo prazo, poderia ainda mexer nos alvos finais a nível de transferências. E essa falta de tempo para tomar decisões de fundo também joga nesta altura a favor do germânico, que seguiu de imediato para os balneários após o empate com o Moreirense enquanto ouvia insultos, lenços brancos e pedidos de saída mais uma vez numa época em que começou a ser vaiado logo no primeiro jogo na Luz com o Casa Pia.