Há jogadores que só conseguem brilhar em determinados clubes. Há jogadores que precisam de um contexto muito específico, de um determinado estilo de treinador e de se inserirem de tal forma no balneário para expressarem toda a sua qualidade específica. Por outro lado, também há jogadores que perderam parte da sua carreira devido a inúmeras lesões. Falamos de dois – ou mais – tipos de jogadores de diferentes mas que, quando se juntam, traduzem-se num nome que marcou o futebol na última década: Raphaël Varane.

Foi através de um vídeo com pouco mais de dois minutos, partilhado nas redes sociais, que Varane comunicou a sua decisão publicamente, aos 31 anos. Intitulado de “Thank you, football [obrigado, futebol]”, o central aproveitou para explicar a decisão. “Dizem que todas as coisas boas têm um fim. Durante a minha carreira enfrentei e superei diversos desafios, ocasião após ocasião, quase todos considerados impossíveis. São emoções incríveis e memórias que vão durar uma vida. É com imenso orgulho e com a sensação de dever cumprido que anuncio a minha retirada do jogo que todos amam”, partilhou.

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“Não tenho arrependimentos. Não mudaria nada. Ganhei mais do que poderia sonhar, mas além dos elogios e troféus, tenho orgulho de não me importar com o que possa acontecer, de me ter mantido fiel aos meus princípios, de ser sincero e ter tentado sair de todos os lugares melhor do que encontrei. Espero ter deixado todos orgulhosos”, acrescentou. Quanto ao futuro, o central que atuava nos italianos do Como desde o início da época, assegurou que vai continuar ligado ao emblema da Serie A: “Começo uma nova vida fora do campo. Continuarei no Como 1907. Só que sem usar as chuteiras nem as caneleiras. É algo sobre o qual estou ansioso para partilhar brevemente”.

Varane: o “ministro da defesa” francês que estudou Ciências Económicas e foi discípulo de Bölöni

Filho de pai natural de Martinica e de mãe francesa, o futebol não foi o primeiro desporto praticado por Varane, mas foi aquele em que conquistou praticamente tudo. Começou no râguebi mas foi no Hellemmes, em Lille, que deu os primeiros pontapés numa bola. Aos nove anos foi descoberto pelo Lens, mas só ingressou em definitivo no clube três anos depois. E foi aí que começou um calvário que se prolonga até à atualidade. Aos 13 anos foi detetado com a doença de Osgood-Schlatter – que lhe afetou os dois joelhos – e esteve oito meses a recuperar. Apesar disso, continuou a crescer no futebol e a jogar acima do seu escalão.

Em 2010 surgiu o primeiro contrato profissional, de três temporadas, com o Lens, e estreou-se com apenas 17 anos, aproveitando da melhor forma a lesão do colega Alaeddine Yahia. Depois de ter dado bons indicadores em campo, com toda a calma que o caracterizam, surgiu um interessado nos seus préstimos: o Man. United. Foi com László Bölöni que se estabeleceu no clube francês e se tornou capitão aos 18 anos. O estatuto de revelação levou-o a ser disputado por red devils, PSG e Real Madrid, mas foi em Espanha que passou grande parte da sua carreira. E que carreira.

O grande impulsionador da sua contratação acabou por ser Zinedine Zidane, que na altura era conselheiro do presidente Florentino Pérez. Assinou contrato por seis temporadas, a troco de 10 milhões de euros, e tornou-se no jogador mais jovem contratado por Pérez. Depois de ter falhado as primeiras partidas da temporada 2011/12, Varane aproveitou as lesões de Pepe e Fábio Coentrão para se estrear, atuando ao lado de Ricardo Carvalho. Dias depois, o antigo internacional português também se lesionou e José Mourinho não demorou muito a integrar o francês no seu onze. Nesse ano tornou-se no estrangeiro mais jovem de sempre a marcar pelo Real Madrid e o quarto de toda a história de LaLiga. Na Liga dos Campeões tornou-se no terceiro jogador mais jovem dos merengues a estrear-se na prova, apenas atrás das lendas Raúl e Casillas.

No ano seguinte deu os primeiros passos na seleção principal de França e, num jogo contra o Barcelona nas meias-finais da Taça do Rei, tornou-se no jogador mais jovem do Real Madrid a marcar no El Clásico, recorde que pertencia a Raúl. A temporada 2013/14 acompanhou por ser de afirmação no panorama europeu, apesar de ter começado com a recuperação de uma lesão no menisco. Foi nessa época que conquistou a Liga dos Campeões pela primeira vez, em Lisboa, e disputou uma grande competição pelos bleus: o Campeonato do Mundo do Brasil.

A ligação ao clube espanhol terminou em 2021, mas para a história fica um percurso ganhador: quatro Ligas do Campeões, quatro Mundiais de clubes, três Ligas espanholas, uma Taça do Rei e três Supertaças de Espanha. Seguiu-se outro grande do futebol mundial, mas em Manchester o percurso foi bem mais conturbado. Num Man. United marcado pela instabilidade, Varane terminou com dois troféus – a Taça e a Taça da Liga – e uma última temporada pautada pelas lesões no início e no fim. Em junho assinou pelo Como, que subiu à Serie A, mas lesionou-se em agosto e ficou fora da lista de jogadores inscritos no Campeonato.

Ao serviço da seleção francesa, Varane conquistou o Campeonato do Mundo de 2018, prova em que disputou todos os minutos, e a Liga das Nações de 2021, tendo sido titular nos dois jogos da Final Four. Para a eternidade fica um percurso com 573 jogos (527 como titular), 26 golos, 22 troféus e uma presença no onze do ano da FIFA, em 2018.