E não é que não sei bem como começar isto e/ou exatamente o que escrever? Será que apesar de ter terminado há pouco mais de meia hora de ver Fool me Once, a série mais vista na Netflix no primeiro semestre do ano, não consigo formar uma opinião? Ou este preâmbulo não passa de um’A Grande Ilusão, título da mini-série em português? Viram o que eu fiz aqui?
Depois de me ter debruçado sobre The Perfect Couple no último artigo, uma mini-série que é uma espécie de pastilha Super Gorila (na medida em que a princípio parece que enche qualquer coisa, mas não alimenta e perde o sabor rapidamente), voltamos com mais uma série sobre uma família podre de rica, sendo que estes são bem mais ricos e muito mais podres. E mais uma sogra que ninguém queria que lhe saísse na rifa, embora a personagem interpretada por Nicole Kidman fosse uma menina do Coro de Santo Amaro de Oeiras ao pé desta Judith Burkett.
[o trailer de “A Grande Ilusão”:]
Mas vamos ao que interessa. Maya Stern a protagonista, (não vou fazer graçolas com a outra, por quem me tomam?) casou acima da sua classe social com Joe Burkett, herdeiro de uma farmacêutica, e ficou viúva no decorrer de um assalto, sem que os astros o previssem (desculpem, não me contive, sou um ser humano fraco e falho). Poucos meses antes de enviuvar, Maya tinha perdido a irmã, também na sequência de um assalto. Ele há coisas do Diabo! E como três foi a conta que Deus fez, Maya trazia já na mala um escândalo mediático que lhe custou a carreira militar. Num vídeo leakado por um hacker maroto, vemos Maya, em contexto de conflito armado, a pilotar um helicóptero e a largar um míssil num carro de civis. Coisas que só acontecem na ficção, não é?
E é neste bingo de desgraça que encontramos Maya: viúva, com um cadáver da irmã ainda fresco e desacreditada publicamente. Para ajudar à festa, a sogra que nunca a comeu nem com molho de tomate, não passa um dia sem a premiar com inuendos muito pouco subtis aferindo que a nora nunca foi digna do filho, é psicologicamente instável e uma mãe de merda. E a talho de foice, aproveito para me pronunciar sobre um tema que acho que não tem sido olhado com a seriedade devida. Este preconceito no que diz respeito às sogras é extremamente injusto e infundado e não sei se não é problemático perpetuarmos este estereótipo na ficção. E eu tenho lugar de fala que a minha sogra é um doce. Prossigamos.
O pontapé de saída para esta trama é o momento em que a melhor amiga de Maya lhe oferece uma moldura digital com uma câmara de vigilância secreta para colocar no quarto da filha. Em primeiro lugar porque, como anteriormente relatado, Maya está mais rodeada de morte que um talhante no matadouro. Em segundo, porque a ama é próxima da sogra de Maya que, recordemos, respeita tanto a nora, como Trump respeita os direitos reprodutivos.
Eis senão quando, Maya está a rever as imagens da dita câmara, captadas no dia anterior, enquanto come uma taça de cornflakes, e vê o marido morto, vulgo defunto, a.k.a. presunto, no vídeo a abraçar a filha, quando era suposto estar a fazer tijolo. Três coisas para dizer sobre isto, sem dar spoiler. A dúvida sobre a morte ou não de Joe Burkett manter-se-á praticamente até ao final da série e isso é um isco extremamente eficaz; a filha de Maya é uma criança absurdamente fofa and last but not the least, quem é que tem um moldura digital em 2024? Eu se fosse para cometer um ilícito e visse um gadget destes, que teve uma janela de relevância de cerca de 16 meses, desconfiava logo que ali havia gato.
Não me vou debruçar muito sobre o que vem depois disso, sob pena de revelar pormenores que prejudicariam o visionamento d’A Grande Ilusão, que aconselho. Vou antes descrever um pouco sobre a minha experiência de episódio para episódio. Deixem na caixa dos comentários se concordam comigo. Peço desculpa pelo momento engagement, mas tenho genuína curiosidade. Porque apesar da série ter sido vista por um ror de gente, este fenómeno passou-me ao lado e isso irritou-me quase na mesma proporção que me intrigou, porque tenho a mania que não me escapa nada.
Li algures que a série baseada no thriller policial Tell No One, de Harlan Cober, afamado pelos seus plot twists, prometia “uma montanha russa emocional” e, de facto, foi o que me sucedeu. Mas não creio que da forma prevista. A minha experiência até ao quarto episódio não foi muito agradável. A espaços foi sofrida, até. No quinto e sexto episódios entusiasmei-me e os dois últimos impressionaram-me francamente. E atenção que a culpa disto pode ser exclusivamente minha. Não seria a primeira vez, não será com certeza a última. Mas passo a explicar.
Tenho muita dificuldade em envolver-me com uma série se não acreditar no ou na protagonista, quer empatize com a personagem, a ache abjeta ou algures pelo meio. Olhando para o elenco, conheço apenas uma das atrizes, o que não é um defeito por si, longe disso. Estou a falar de Joanna Lumley, a Patsy de Absolutely Fabulous sempre de copo na mãe, cigarro na boca e desdém pelo mundo. Interpreta a sogra Judith e está que é um mimo, embora apareça pouco para o bem que vai, na minha opinião. O polícia responsável pela investigação é de longe a minha personagem preferida, não só pela complexidade, como pelo desempenho do também desconhecido para mim Adheel Akhtar. Um homem numa corda bamba entre a felicidade e o fim. Mas a Maya… Interpretada pela inglesa Michelle Keegan, que é gira nas horas, não estava a fazer nada por mim praticamente até ao final da série. Ia intercalando entre achar que era má atriz e que a personagem não estava bem construída, por ausência de emoção e ou culpa, misturada com aquilo que me parecia ser uma certa apatia. Dito isto, chega-se ao fim e levo uma chapada com as costas da mão nas trombas e tudo faz sentido.
À semelhança do currículo já referenciado do autor da obra adaptada, A Grande Ilusão é uma matrioska de plot twists, um novelo que não só não parece ter fim, como os nós se multiplicam consoante se puxa o fio. Violenta, muitas vezes tensa e às vezes apenas triste, A Grande Ilusão inclui teorias da conspiração, luto, adição, famílias tóxicas, luta de classes, lealdade, capitalismo selvagem, whistle blowers, peer pressure, crueldade e vingança. Tem isto tudo e um fim que me satisfez mesmo muito, com exceção de uma lamechice derradeira que não me parece acrescentar ponta de corno.
Dito isto, posso concluir que Fool me Once me enganou bem e não deixou rancor. A Maya não diria o mesmo. E mais não digo.