Uma chuva generalizada de críticas e a promessa de mais uns dias de suspense. São estas as conclusões de uma tarde de reações preliminares à apresentação da proposta de Orçamento do Estado, que deixou a direita desiludida — e, no caso dos liberais, até a suspirar por eleições — e a esquerda indignada. No caso da reação socialista, a mais aguardada, houve críticas mas não houve fumo branco: o partido continua a adiar uma decisão final sobre o documento e a avisar que se definirá “no tempo que entender”.

Coube à líder parlamentar socialista, Alexandra Leitão, essa primeira reação, feita a partir da Assembleia da República. A primeira preocupação passou por garantir que o PS não está com “pressa” em decidir: prometeu analisar o documento com todo o cuidado, adiou essa análise para o momento em que o programa de médio prazo for entregue, “daqui a uns dias”, em Bruxelas e fez questão de dizer que os socialistas decidirão “com calma”, de forma “livre” e no tempo que quiserem, fazendo questão de sacudir a pressão que lhes chega do PSD.

Ainda assim, as primeiras conclusões não são boas, avisou. Por um lado, a líder da bancada socialista notou a “total ausência” das propostas que o PS tinha sugerido, ainda que não as colocasse como linhas vermelhas (caso dos modelos de IRS Jovem e IRC), no que toca a um aumento extraordinário das pensões, à proposta de exclusividade para médicos no SNS e a um fundo para Habitação para a classe média e estudantes (que o Governo não assume nesses moldes).

Por outro lado, o PS garante que a criação de um “grupo de trabalho que vai olhar para o setor empresarial do Estado numa lógica de alienação” deixa adivinhar que venha aí uma “vaga de privatizações”. O partido discorda ainda da majoração prevista para empresas que paguem seguros de saúde privados aos seus trabalhadores e da “falta de ambição” para a economia, prevendo-se um crescimento ligeiramente inferior ao dos últimos dois anos. O PS quis, ainda assim, deixar uma garantia nesta primeira reação: se o Orçamento chegar à fase de especialidade, o PS não porá o equilíbrio orçamental em causa, entendendo mesmo que os seus créditos no que toca à política de “contas certas” tornam estes avisos “bastante desnecessários”.

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Do lado do Chega, André Ventura continua, por um lado, a dizer que a sua posição quanto a este Orçamento é “irrevogável”, discordando de um documento desenhado com base nas negociações com o PS; ainda assim insiste, por outro, que ainda pode viabilizar um OE de Luís Montenegro — basta que este retire a atual proposta e entregue outra, mais à direita.

Ao final da tarde, o Chega fez chegar aos jornalistas uma carta que André Ventura dirigiu ao Governo, formalizando o pedido para que se “refaça” o OE para “evitar uma nova crise política” e tendo em conta as prioridades do Chega em áreas como a corrupção, a imigração ou o desagravamento fiscal sobre as empresas e o consumo. A resposta do PSD já tinha sido, no entanto, dada minutos antes pelo deputado Hugo Carneiro, ao dizer que esse seria um cenário “surreal” e do domínio da “fantasia”.

Também à direita, a Iniciativa Liberal dificilmente poderia ter guardado palavras mais duras para reagir à proposta do Governo: Rui Rocha descreveu-a como uma “enorme deceção”, um Orçamento que mal se distingue dos que foram apresentados pelo PS, e chegou mesmo a dizer que num cenário destes talvez seja melhor ir a eleições.

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“Será que o PSD da campanha eleitoral viabilizaria o OE do PSD no Governo? Tenho muitas dúvidas de que os dois pudessem sequer entender-se”, atirou o líder dos liberais, notando que a carga fiscal pouco desce e o crescimento não avança relativamente aos últimos anos da governação do PS. “Para mais do mesmo, mais vale darmos oportunidade ao país de fazermos uma nova avaliação”, disparou.

Esquerda crítica, PSD e CDS pressionam socialistas

Mais à esquerda, como seria de esperar, as reações também não foram positivas: para o Bloco de Esquerda, este é um Orçamento “mau” que não se define pelos aumentos para algumas carreiras na Função Pública — uma medida que todos os partidos tinham prometido cumprir, usando o excedente orçamental para isso, lembrou Mariana Mortágua — e define-se, sim, por uma “injustiça fiscal” a favor dos mais ricos, por um “desmantelamento do SNS” e pela ausência de medidas para baixar os preços das casas.

Para o PCP, todas as “preocupações” com a situação de “degradação” que o Governo, acusa, quer impor ao país foram “confirmadas” nesta primeira leitura: só os grandes grupos económicos sairão beneficiados. O Livre avisou que dizer que “ninguém quer eleições” é fazer “chantagem” e que os partidos devem decidir livremente, prometendo apresentar propostas na especialidade. O mesmo prometeu o PAN, ainda que lamentando as “borlas fiscais a quem mais polui” e o desinvestimento na proteção animal e climática que encontrou neste Orçamento.

Já as reações dos partidos do Governo serviram sobretudo para pressionar o PS. Tanto o PSD, representado no Parlamento pelo deputado Hugo Carneiro, como o CDS, pela voz de Paulo Núncio, garantiram “não ver como” o PS, ou um qualquer partido “responsável”, poderá inviabilizar ou sequer ter tantas dúvidas sobre este Orçamento. Carneiro aproveitou, depois de ironizar com as posições variáveis do Chega e do “sono bem dormido” de que a IL precisa, para deixar mais um recado: na fase da especialidade, os partidos “responsáveis” sabem que o OE não pode ser “descaracterizado”. Núncio mostrou-se “confiante” em que o “superior interesse nacional” prevalecerá — e que uma crise política será evitada.