O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) assegurou esta segunda-feira que a questão dos abusos sexuais cometidos no seio da Igreja “não terá volta atrás”.

“Precisamos de manter a atenção constante ao sofrimento das vítimas e a firmeza na formação e na prevenção, bem como na clareza e determinação no tratamento de eventuais casos futuros”, disse José Ornelas, no discurso de abertura dos trabalhos da Assembleia Plenária da CEP, que esta segunda-feira teve início em Fátima.

Temos consciência de que a realidade dos abusos sexuais e os dramas das vítimas que causaram não deixou indiferente nem a Igreja nem a sociedade”, afirmou o também bispo de Leiria-Fátima.

José Ornelas recordou que “há um caminho percorrido, marcado por etapas progressivas, desde a criação das Comissões Diocesanas, passando pelo trabalho da Comissão Independente, a Equipa de Coordenação Nacional e, agora, do Grupo VITA, onde se inclui o trabalho da prevenção, com diversas iniciativas de formações locais e dirigidas a grupos específicos”.

O prelado sublinhou que “o processo de atribuição de compensações financeiras é, também, uma parte deste caminho (…), procurando ir ao encontro pessoal de cada uma das vítimas”.

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Sabendo que ninguém pode pagar ou anular os dramas do passado, queremos que este seja um passo importante para o reconhecimento do mal que lhes foi infligido e de pedido de perdão, que contribuam para sarar feridas e afirmar a dignidade”, disse.

O tema dos abusos sexuais será objeto de discussão na Assembleia Planária, mas José Ornelas não adiantou qualquer pormenor sobre o sentido das decisões a tomar.

O tema das compensações financeiras tem estado na ordem do dia desde que, em abril, e após meses de debate, a CEP aprovou a criação de um fundo, “com contributo solidário de todas as dioceses”, para compensar financeiramente as vítimas de abuso sexual no seio da Igreja Católica em Portugal.

O processo assenta na apresentação dos pedidos de compensação até dezembro de 2024 ao Grupo VITA — criado pela CEP na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica que validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas – ou às comissões diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, após o que, “uma comissão de avaliação determinará os montantes das compensações a atribuir”.

A metodologia foi criticada por algumas vítimas, que não compreendiam a razão de terem de contar de novo o que passaram no âmbito do processo desenvolvido pelo Grupo VITA, uma vez que já haviam relatado o seu caso à Comissão Independente presidida pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht.

Dos trabalhos do episcopado em Fátima pode sair uma alteração do regulamento de pedido e atribuição de compensações financeiras às vítimas, tendo o Grupo VITA anunciado já ter proposto à Igreja a revisão de alguns aspetos daquele instrumento de trabalho.

Na sua intervenção inicial, José Ornelas abordou também a visita “Ad Limina”, que os bispos portugueses realizaram ao Vaticano em maio, bem como os trabalhos da Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos e o Jubileu do próximo ano.

Sobre o Jubileu, que decorrerá sob o lema “Peregrinos de Esperança”, José Ornelas questionou se “perante a situação sombria da humanidade (…), há motivos e é possível celebrar a ‘esperança'”, respondendo que “da perspetiva que anima os cristãos, não só existem motivos e possibilidades, mas há sobretudo necessidade e urgência de esperança como fundamento da criação de futuro”.

“Os profetas de esperança e de mundos novos não surgem normalmente em tempos fáceis abastados e pacíficos, mas sobretudo em situações sombrias, difíceis, injustas e de grande sofrimento”, disse.

Lembrando que são os profetas que reagem “à dor, à injustiça, ao sofrimento e ao desânimo, o bispo referiu-se, além dos profetas bíblicos e dos inúmeros mártires da Igreja, a figuras de alcance humano, como Luther King, Mahatma Gandi, Nelson Mandela ou os capitães de Abril.