Cerca de 150 denúncias de assédio, abuso, violação e agressão, relativas a mais de 40 pessoas do meio artístico, foram já contabilizadas desde que a DJ Liliana Cunha tornou pública uma acusação contra um pianista de jazz.

De acordo com Liliana Cunha, em declarações à Lusa, esta sexta-feira, as pessoas referenciadas trabalham em várias áreas, do ensino (público e privado), à literatura, teatro, cinema ou televisão.

A DJ, juntamente com a artista Maia Balduz, tem estado a reunir, verificar e filtrar as denúncias e testemunhos que ambas têm recebido através das redes sociais e de um email (testemunhasdamusica@proton.me) que, entretanto, criaram.

Liliana Cunha, conhecida no meio artístico como Tágide, fez no início de novembro uma denúncia nas redes sociais, identificando o pianista de jazz João Pedro Coelho como o alegado agressor. O músico refutou as acusações e reclamou “total inocência”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Depois de tornar a denúncia pública, Liliana Cunha apresentou queixa na PSP contra João Pedro Coelho, acusando-o de violação e stealthing (não-utilização de preservativo sem consentimento do/a parceiro/a), alegadamente cometidos em 2023.

Hot Clube de Portugal demarca-se de “denúncia de alegado abuso”, mas confirma afastamento de dois professores no ano letivo de 2021/2022

Há pouco mais de duas semanas, o Observador noticiou que vinte e sete pessoas do meio artístico foram identificadas em denúncias de assédio, abuso, violação e agressão, partilhadas depois de a DJ ter tornado pública uma acusação contra o pianista de jazz.

Entretanto, até esta sexta-feira, já reuniram cerca de 150 denúncias, que envolvem mais de 40 agressores, uma percentagem dos quais “não têm nome”, por haver denunciantes que têm medo de os identificar.

As queixas iniciais centravam-se em profissionais da área da música, mas acabaram por se estender a outras áreas, porque, lembra Liliana Cunha, este é um problema “transversal”.

Parlamento pode discutir petição para alterar lei

Em 16 de novembro, foi lançada uma petição online, com os signatários a pedirem uma alteração da lei portuguesa para criminalizar o stealthing como “uma violação do consentimento sexual”, de modo a que as vítimas tenham “um processo claro para oficializar a denúncia e buscar justiça”.

“Em quatro dias angariou as 7.500 assinaturas [necessárias para que seja discutida no Parlamento]. E agora temos mais de dez mil”, referiu.

Pelas 13h00 desta sexta-feira a petição “Criminalização do Stealthing em Portugal: Uma Luta pelo Consentimento Sexual”, disponível na plataforma Petição Pública, reunia 10.544 assinaturas.

A fase seguinte será validar as assinaturas e entregar a petição no parlamento, algo que Liliana Cunha conta fazer em breve.

Sobre os casos de assédio no meio artístico, a Plateia — Associação de Profissionais das Artes Cénicas apresentou esta sexta-feira uma série de “reivindicações urgentes”, nomeadamente a criação de códigos de conduta “em todas as instituições de ensino artístico, elaboradas e aprovadas com o contributo de estudantes”.

Em comunicado, a Plateia pede ainda plataformas de denúncia “independentes das direções executivas e pedagógicas das escolas”, protocolos de ação sobre situações de assédio “em todas as instituições de ensino artístico e no meio profissional” e ainda proteção de quem vai a audições ou a entrevistas de emprego.

Este caderno reivindicativo “para combater a cultura de abuso de poder, falta de ética e assédio”, tanto em escolas como em meio laboral no panorama artístico, foi enviado ao Ministério da Cultura, aos partidos com assento parlamentar e a escolas artísticas e outras associações representativas do setor.

No início de novembro, quando vieram a público denúncias de casos de violação, abuso sexual e assédio no meio artístico, a associação Plateia lamentava já a inexistência de um sistema de denúncias e de “proteção eficaz” das vítimas, defendendo uma mudança “estrutural”, que ajude na prevenção de casos, e alterações legislativas.

Na mesma altura, outras associações contactadas pela agência Lusa manifestavam preocupação e apontavam para a necessidade de reforço de medidas.

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apelou para que as denúncias fossem levadas a sério e que não desaparecessem “na espuma dos dias” e o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, Audiovisual e Músicos (Cena-STE) pedia uma Autoridade para as Condições do Trabalho “muito mais capaz e muito mais forte”.

A Associação Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento (MUTIM) e a Associação para as Artes Performativas em Portugal (Performart) também pediam canais oficiais, apropriados e eficazes para denúncias de abusos e assédio no setor.

A nível político, o partido Pessoas Animais Natureza (PAN) entregou no parlamento um projeto-lei para que o stealthing, a remoção de um preservativo sem consentimento num ato sexual, seja considerado crime, no âmbito do Código Penal português.