Na carta aberta “Resistência Agora: Cultura Livre”, enviada à agência Lusa e publicada este sábado em vários meios europeus de comunicação social, as instituições afirmam estar “alarmadas com os atuais desenvolvimentos na política cultural em vários Estados-membros da União Europeia”.

Como exemplo, apontam a Hungria, onde o Governo liderado por Viktor Orban já aplicou cortes orçamentais ao setor cultural, e a Eslováquia, onde “estão a acontecer despedimentos por motivos políticos”, como no caso “dos diretores do Teatro Nacional e da National Gallery”.

A Convenção Europeia de Teatro, a plataforma Prospero, a rede Opera Europa, o Festival de Viena e a Associação Europeia de Festivais estão entre os signatários. Em Portugal, são seis as instituições culturais que se juntaram ao apelo internacional: o Teatro Nacional D. Maria II, o Centro Cultural de Belém, o São Luiz Teatro Municipal, o Teatro do Bairro Alto, a BoCA — Biennial of Contemporary Arts e o Teatro do Noroeste.

Os signatários da carta alertam para o “nível quase absurdo em muitos Estados-membros” que “os ataques à liberdade artística atingiram”. Esta preocupação intensificou-se depois de, no início de novembro, grupos ultranacionalistas terem invadido violentamente a estreia de um espetáculo do ator e realizador norte-americano John Malkovich, no Teatro Nacional Ivan Vazov, na Bulgária.

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“No Teatro Nacional de Sófia, uma peça com mais de cem anos, passada numa Bulgária ficcional, foi apresentada na noite de estreia sem a presença de público, devido a ataques de grupos ultranacionalistas, que impediram os espectadores de entrarem no edifício”, relatam.

Na Áustria, o Partido Liberdade, de extrema-direita nacionalista, atualmente no poder, “ameaça cortar o financiamento para a cultura ‘woke’- o que significa para toda a Cultura, que não as organizações musicais locais”, enquanto o Partido pela Liberdade dos Países Baixos, o Rassemblemnt National de França e o Afd na Alemanha “estão a pressionar para que sejam feitos cortes radicais no financiamento de todas as instituições culturais que não sejam ‘tradicionais’ e ‘nacionais'”.

As instituições signatárias salientam que estes cortes “não são aleatórios”, antes “revelam uma estratégia político-cultural orquestrada, que visa o desaparecimento de uma cultura europeia diversificada, e que tem vindo a crescer desde 1989”.

“Durante muitos meses, ou anos, e em alguns Estados-membros mesmo durante uma década inteira, as instituições culturais têm sido sujeitas a uma campanha política que restringe as liberdades de expressão e artística e elimina tudo o que não está em conformidade com a linha política da direita”, alertam.

As instituições consideram que “onde deixa de haver uma cultura aberta, apartidária e transfronteiriça, acabará também por desaparecer o próprio projeto europeu de unificação e de paz”.

Manifestando-se solidários com os artistas “que foram despedidos ou impedidos de realizarem o seu trabalho”, e com as instituições culturais “encerradas ou ameaçadas de encerramento”, os signatários da carta pedem aos deputados do Parlamento Europeu que falem “sobre a grave ameaça a uma política cultural europeia consistente” e “sobre os ataques, proibições, despedimentos e cortes em cada Estado-membro”.

Lembrando que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o Plano de Trabalho da União Europeia para a Cultura 2023-2026 “exigem a proteção da liberdade artística”, os signatários instam os Estados-membros e as instituições europeias “a cumprirem as suas responsabilidades para com aqueles documentos”, e também a “criar ainda mais salvaguardas através da implementação de uma ‘Lei Europeia da Liberdade Cultural’ como parte do Estado de Direito”.

Na apresentação da carta aberta, em Estrasburgo, estiveram o diretor do Festival de Viena, o encenador Milo Rau, o diretor exonerado do Teatro Nacional da Eslováquia, Matej Drlicka, as representantes da Convenção Europeia de Teatro Barbara Engelhardt e Heidi Wiley, e a ex-ministra francesa da Cultura Catherine Trautmann.

A lista de signatários iniciais inclui mais de 200 representantes de instituições como o Teatro Nacional de Praga, na Chéquia, o polaco Nowy Teatr, o Berliner Ensemble, a Capela Estatal de Dresden e diferentes óperas estatais, na Alemanha, o Teatro e a Ópera reais da Suécia, o Ballet e a Ópera Nacional da Finlândia, o Teatro de La Monnaie, na Bélgica, a Opera de Lyon, a Ópera de Lille e os festivais de Marselha e de Montpellier, em França, o Teatro Nacional Emilia Romagna e o Teatro de Ravenna, em Itália, a Tanzhaus de Zurique, na Suíça, o Battersea Arts Centre, no Reino Unido, e o National Academic Drama Theater, da Ucrânia, somando 187 instituições de 39 países, incluindo todos os Estados-membros da União Europeia.

Instituições culturais de Argentina, Austrália, Canadá e Estados Unidos também subscreveram o apelo.

Em Portugal, são signatários desta carta o diretor artístico e o presidente do Teatro Nacional D. Maria II, Pedro Penim e Rui Catarino, respetivamente, a diretora artística do CCB, Aida Tavares, e o administrador da Fundação CCB Delfim Sardo, a diretora executiva e o diretor artístico do Teatro S. Luiz, Ana Rita Osório e Miguel Loureiro, o diretor artístico do Teatro do Bairro Alto, Francisco Frazão, o diretor da BoCA – Biennial of Contemporary Arts, John Romão, e Nuno J. Loureiro, Ricardo Simões e Tiago Fernandes, do Teatro do Noroeste – Centro Dramático de Viana.

O encenador Tiago Rodrigues, como diretor do Festival d’Avignon, e Cláudia Belchior, como presidente da Convenção Europeia de Teatro, são outros portugueses entre os signatários.

A par desta carta aberta, estará disponível, a partir deste sábado, uma petição pública para assinatura.