O antigo diretor-geral da Saúde Constantino Sakellarides criticou esta terça-feira o plano de emergência do Governo para a saúde, considerando-o de “má qualidade”, apontando falhas como não incluir medidas para captar profissionais, a principal urgência do Serviço Nacional de Saúde.
“Qual é a principal emergência para a crise de acesso ao Serviço Nacional de Saúde? É atrair profissionais de saúde (…). Não está lá, não faz parte das medidas calendarizadas e objetivas do Plano de Emergência e Transformação [da Saúde [PETS]”, disse Constantino Sakellarides, à margem do lançamento do Observatório da Fundação para a Saúde, em Lisboa.
O plano do Governo para a saúde, aprovado no final de maio, foi uma das matérias analisadas no relatório “SNS em foco 2024” do Observatório, divulgado esta terça-feira, que conclui que o PETS “tem muito poucas parecenças com a de um plano estratégico para transformação do SNS e do sistema de saúde do país”.
“É como um plano de má qualidade, tem objetivos não fundamentados, não tem indicação de recursos, a sua origem, a sua magnitude” e “não dá nenhuma luz em relação ao futuro”, acrescentou Constantino Sakellarides, um dos autores do relatório e membro da Fundação para a Saúde, notando ser impossível fazer um plano estratégico “em 4, 5, 6 semanas”.
Segundo o documento, “seria razoável esperar que, uma vez estabelecido o Plano de Emergência do SNS, anunciado no programa do Governo, se iniciasse a preparação de uma Estratégia de Transformação, tirando partido dos diversos recursos técnicos disponíveis no Ministério da Saúde e no Estado”.
“Também seria de esperar que a referida Estratégia estabelecesse uma sólida articulação entre o Plano de Emergência e os outros dois pilares do programa de Governo — o Plano Plurianual de Desenvolvimento do SNS (agora Quadro Global de Referência do SNS) e o Plano Nacional de Saúde. Nada disso aconteceu”, critica o documento.
Por outro lado, apontou Sakellarides, tem um conjunto de medidas no sentido de favorecer soluções de caráter privado e social, nomeadamente a criação de USF Modelo C, Centros de Atendimento Clínico e consultas de cuidados de saúde primários no Hospital de Cascais (Parceria Público-Privado).
Observatório critica Governo por “promover respostas privadas sem antes investir no SNS”
“[As medidas] em si, são bem-vindas, as pessoas precisam de acesso aos cuidados de saúde, mas só assim, sem um sinal para os profissionais de saúde de que o futuro também passa pelo SNS, os profissionais de saúde vão-se embora e, se vão embora, a curto prazo não há Serviço Nacional de Saúde que resista”, alertou.
O relatório sublinha que “não se trata de complementar o público com o acesso a serviços sociais e privados já existentes: Trata-se, isso sim, do Governo, através do Estado, promover a criação de serviços sociais e privados, previamente inexistentes. E em concorrência com o SNS para recursos profissionais atualmente escassos no país”.
Por impossibilidade de participar no evento, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, enviou uma mensagem por vídeo em que afirmou que o relatório “é um documento fundamental” para conhecer melhor o impacto das medidas que têm sido tomadas “sem preconceitos e sem estados de alma”.
É mais um contributo neste processo de transformação de um SNS capaz de se adaptar às exigências destes novos tempos que vivemos. Um SNS mais eficiente, profissional e inovador, sem contudo, nunca perder o seu caráter humanista e solidário. Sei que dificilmente poderemos estar todos de acordo, mas temos de nos focar naquilo que nos unimos e não no que nos divide”, salientou a ministra.
Questionado sobre a mensagem da governante, Constantino Sakellarides disse que tem “uma grande consideração pessoal e profissional” por Ana Paula Martins e que as suas palavras são confortantes, mas acrescentou: “No mundo real as palavras, mesmo que sejam confortantes, de uma pessoa que gosto, não são suficientes. É necessário que haja sinais claros que os profissionais de saúde portugueses podem contar com o SNS para o seu futuro”.
Ressalvando não estar a desvalorizar os setores privado e social, “que também são importantes na sociedade portuguesa”, o médico disse que a articulação entre setores “só é saudável se os sinais de investimentos no SNS forem claros para os profissionais de saúde”.