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O corpo coletivo de Vítor Hugo Pontes festeja a liberdade

Depois do Teatro Aveirense, 19 intérpretes unem-se no palco do CCB. Não se representam a si mesmos, mas a uma celebração em grupo. “Há qualquer coisa prestes a acontecer” continua em 2025.

"Pensei fazer uma peça mais densa, mas com o decorrer do processo de criação com os próprios intérpretes, percebi que o que tínhamos mesmo de fazer era celebrar a liberdade, apesar de haver esta ameaça", disse o criador do espectáculo
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"Pensei fazer uma peça mais densa, mas com o decorrer do processo de criação com os próprios intérpretes, percebi que o que tínhamos mesmo de fazer era celebrar a liberdade, apesar de haver esta ameaça", disse o criador do espectáculo

"Pensei fazer uma peça mais densa, mas com o decorrer do processo de criação com os próprios intérpretes, percebi que o que tínhamos mesmo de fazer era celebrar a liberdade, apesar de haver esta ameaça", disse o criador do espectáculo

Passados 50 anos do 25 de Abril, Victor Hugo Pontes não tem tantos protagonistas em palco quantos são os portugueses, mas concentra vontades e festejos de um país que desafia a comemoração da liberdade como um ato político. É assim que Há qualquer coisa prestes a acontecer se ergue: depois de um convite do Centro Cultural de Belém (CCB), onde o espectáculo é apresentado sexta e sábado, dias 13 e 14 de dezembro, o coreógrafo desiste de representar uma revolta universal e prefere levar-nos à comemoração de um corpo inquieto que, de repente, diz que “há algo” ou que “sente algo”. E esse “algo” é exatamente aquilo que está prestes a acontecer.

Com 19 bailarinos completamente despidos, os movimentos que se sucedem e reproduzem concentram uma massa que se adapta a um ritmo colérico e desconcertante. Este ponto de partida não é completamente indiferente no que toca à celebração de um corpo livre e se considerar-se que o que se segue é um belo ensemble de Ensaio para uma Cartografia, dirigida em 2017 por Mónica Calle — dois minutos após o espetáculo do coreógrafo começar alienamo-nos dessa ideia.

Há neste objeto artístico a representação de uma possibilidade de superação e de um novo ciclo na construção de um caminho, mas que depende apenas de um espectador que se ausenta de códigos ou estatutos. Sem adereços ou condições. É essa a forma mais livre em que nos encontramos? “Esta ideia de que as coisas podem mudar para um sentido inverso e os direitos que fomos adquirindo ao longo dos tempos possam ser retirados ou alterados” tornou-se o ponto de partida da criação do espetáculo, tal como explica Vítor Hugo Pontes ao Observador.

Ainda assim, tal como os signos, a sua visão mudou. “Tinha uma visão um bocadinho mais pessimista desta realidade e, dessa forma, pensava fazer uma peça mais densa, mas com o decorrer do processo de criação com os próprios intérpretes, percebi que o que tínhamos mesmo de fazer era celebrar a liberdade, apesar de haver esta ameaça”, reconhece.

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Se a inquietação se tornou permanente, Há Qualquer Coisa Prestes a Acontecer foi a ação concreta de desenvencilhar uma capacidade que vai fugindo por entre os dedos: “A de termos este momento de libertação mais forte do que todos os constrangimentos em que nos possam pôr”, finaliza o artista à medida que se vai ajeitando num lance de escadas brancas. Caída a noite, é como se aquele local se transformasse num lugar sem posicionamentos, onde não temos medo, “porque eles têm medo de que nós não tenhamos medo, como diz a Capicua” e o coreógrafo, encenador e bailarino concorda.

“Se eu não posso dançar, não é a minha revolução” e um cartaz na parede

O corpo coletivo, que ao mesmo tempo é um corpo individual — e que se vai realçando mecanicamente no palco com a repetição dos movimentos e das entradas e saídas dos bailarinos — alerta também para um outro facto: o de vivermos num contexto de liberdade para que esta peça se realize.

Destacando um cartaz na parede, de letras escritas a preto e rosa, pronunciadas por Emma Goldman, o coreógrafo português, com mais de 20 anos de carreira, fez da nudez a peça-chave desta peça. “É muito curioso quando imaginamos um padre nu ou um arquiteto nu. Como é que são estas pessoas? São pessoas feitas de carne, de ossos, de cabelos. Portanto, somos todos iguais, somos todos matéria.”

As manifestações de felicidade e as conquistas de luta de opressão, tudo isso, é explorado em cena, “são inspiradas em manifestações de coletivos que tiveram na rua e, num outro ângulo, numa comunidade harmoniosa”

A esta ideia de humanidade que transcende a matéria e a fisicalidade junta-se uma alforria de todas as ameaças, perseguições e terrores, abrindo espaço para vários imaginários, o que era também uma preocupação quer dos bailarinos quer do coreógrafo. “Não gosto que os imaginários sejam literais, portanto, são adulterados, exatamente, para que o espectador possa ter diferentes leituras ou possa criar a sua leitura, porque não me interessa nunca narrativas fechadas nem ilustrações em cena, portanto, mas sem dúvida”, argumenta Vítor Hugo Pontes.

Foram vários os protestos em que se focou, nacionais e internacionais. As manifestações de felicidade e as conquistas de luta de opressão, tudo isso, é explorado em cena, “são inspiradas em manifestações de coletivos que tiveram na rua e, num outro ângulo, numa comunidade harmoniosa”. Quase de sonho, para o artista, que conseguiu fazer com que esse espetáculo cruzasse intérpretes das mais diferentes origens.

“E se os gestos políticos se inundassem mais de desconforto?”

Sem sentido de pudor e muito antes de entrar em moralismos como o mito de “Adão e da Eva terem mordido a maçã”, ou os termos da ideia católica do pecado e do que é que é o bem e o mal, despimo-nos de conceitos ao início do espectáculo. Este é também um ato político. Enquanto elemento de observação, o coreógrafo reconhece que apesar do seu processo de trabalho começar com o “estar com os bailarinos em estúdio, no meio deles, e conhecê-los fisicamente com o meu corpo”, há uma grande parte do tempo em que é necessária distância para poder dirigir.

“Ainda hoje estava a rever as fotografias de todo o processo e dei-me conta que há uma cena do espetáculo que foi proposta na audição, portanto, eles na audição durante um improviso que fizeram já tinham proposto essa cena. Há coisas que são conscientes, outras que não são, ficando no meu subconsciente de alguma forma e que, depois, vou direcionando nesse sentido, porque imageticamente eles já lá estavam”, afirma Vítor Hugo Pontes.

Partir daquilo que lhe dão e que recebe, quer dos corpos quer do espaço, mais a nível de composição do que propriamente de conceito, é também uma forma de fazer política. Com as escolhas e as opções que põe em cena em todos os seus projetos, Vítor Hugo Pontes reconhece que todo o seu trabalho é um gesto político, “umas vezes mais diretos, outras vezes mais poéticos”, porque também precisamos de poesia “tal como precisamos de amor”, remata.

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