Há um “arrefecimento” e uma “mudança de prioridades” no setor energético europeu e isso vê-se na redução de investimentos das empresas em projetos de renováveis e de descarbonização. O presidente da EDP e da EDP Renováveis, Miguel Stilwell de Andrade, considera que as prioridades não se inverteram, mas mudaram e estão mais viradas para a competitividade (preços mais baixos) e segurança de abastecimento do que para a descarbonização.

As declarações foram feitas num painel sobre o futuro da energia na conferência promovida pela Associação Portuguesa de Energia que se realizou esta quinta-feira no Centro Cultural de Belém (CCB).

Segundo o gestor, “estamos a investir menos do que antes” quando era preciso investir mais na transição energética.” Todas as empresas estão a rever os investimentos em baixa nas renováveis” e a maior parte dos projetos renováveis para a Península Ibérica não sai do business plan (plano de negócios)”, ou seja, não se materializa. O presidente da EDP aponta para a instabilidade nos preços da eletricidade e para os preços muito baixos da energia renovável em regime de mercado, que são bons para quem compra, mas que não ajudam o investimento.

Stilwell de Andrade diz que muitas empresas de energia estão a direcionar os investimentos para as redes de transporte e distribuição que também precisam desses investimentos para acomodar a crescente produção renovável e o consumo de grandes players industriais que estão a eletrificar a produção.

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E, apesar de considerar que a meta de triplicar a produção renovável até 2030 não vai ser atingida, defende que o maior foco da Europa na independência energética e na competitividade vai ter como resultado o desenvolvimento das renováveis. Isto porque a Europa não tem produção fóssil e continua muito dependente do gás natural fornecido por terceiros que é muito caro. Ou seja, o rumo para a transição energética “é indiscutível”, mas o ritmo está em risco.

Também o presidente da REN, Rodrigo Costa, tem dúvidas sobre os caminhos para a transição energética, dando como exemplo um setor que afeta diretamente a operadora da rede de transporte. “Tenho dificuldade em perceber qual é a estratégia do hidrogénio. Leio muita coisa, mas se me perguntarem o que vai acontecer não sei”. A REN assinou um memorando com as congéneres de Espanha, França e Alemanha porque os operadores de rede sentem que há necessidade de ter um gasoduto para gases renováveis que ligue os países. Mas é um trabalho que está a ser feito sem que as empresas saibam se está adequado à estratégia da Europa e dos países que, defende, deve ser mais clara e ter em conta os aspetos económicos.

Os dois gestores — da EDP e da REN — estão juntos numa queixa muito comum no setor energético que tem a ver com a dificuldades de licenciamento, mas as críticas sobem de tom.

A grande preocupação para Rodrigo Costa é a burocracia nacional, mas também europeia. “Nunca vi uma onda de complexidade e burocracia tamanha. Todos falam bem e as pessoas esforçam-se imenso, mas estamos afogados num sistema de tal maneira burocrático que as coisas funcionam muito devagar”. E apesar de compreender a hesitação dos políticos, considera que a não decisão é “dramática para os investidores”.

Stilwell de Andrade até bate as palmas à Comissão Europeia pela forma como reagiu à crise do gás russo, mas aproveita para lembrar que em cima das novas diretivas e regulamentos que saem de Bruxelas, há as leis nacionais, muitas vezes díspares entre si, e no caso de Espanha das regiões autonómicas. “Quando se somam as camadas de carga administrativa torna-se muito complexo”.

O presidente do grupo EDP que é um forte investidor nos Estados Unidos (via EDP Renováveis) deu ainda nota da reação positiva das empresas à eleição de Donald Trump. Sentiu-se alguma “euforia” porque as empresas esperam mais simplificação e facilidade no licenciamento. Mas, por outro lado, há a promessa de mais tarifas que vai penalizar os exportadores e trazer inflação.

Miguel Stilwell de Andrade reconhece ainda que o gás natural é nos Estados Unidos muito mais barato que na Europa, mas contrapõe que a eletricidade consegue ser mais barata na Península Ibérica, dando como exemplo os acordos de venda de energia a longo prazo (PPA) que fechou com a Amazon nos dois mercados. “O preço aqui é mais baixo do que nos EUA.” Se o sol e o vento é para todos, o custo de alguns equipamentos de produção como os painéis fotovoltaicos é mais caro nos Estados Unidos. Ou seja, a Europa até é competitiva na eletricidade se fizer contratos a prazo.

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Esse é o caminho apontado por Paula Abreu Marques, chefe de unidade da Comissão Europeia, que também participou neste painel. “Temos de olhar menos para os preços spot e olhar mais para os PPA (acordos de venda de energia a prazo) e para os contratos por diferença para acabar com esta volatilidade dos preços que é terrível, talvez até pior que ter preços altos”. Na energia, a nova Comissão Europeia pretende manter o rumo, mas dar mais respostas ao problema da competitividade, sem descurar a descarbonização.