Só se desilude quem se deixa iludir. Miguel Tiago não está particularmente desiludido com a prestação de Pedro Nuno Santos enquanto secretário-geral do PCP. Com algum sarcasmo, o antigo deputado diz que o PS é useiro e vezeiro na conversa de que o próximo líder, esse sim, seria capaz de colocar o partido verdadeiramente à esquerda, como prometia Pedro Nuno.

“Pedro Nuno Santos tentava ter essa aura. Mas os comunistas sempre viram para lá dessa máscara. Não era nada que não esperássemos. E é importante que as outras pessoas também percebam que esta é a ladainha de sempre do PS”, argumenta o antigo deputado comunista.

Em entrevista ao Observador, a partir do XXII Congresso do PCP, Miguel Tiago mostra também algum ceticismo (para dizer o mínimo) em relação à ideia de grandes alianças à esquerda. O comunista lamenta que exista um certo “fetiche” em torno da ideia de alianças contra a direita, uma “absolutização da ideia de que a convergência é boa em si mesma” e um “deitar a toalha ao chão, assumindo que a esquerda não pode ser diversa”.

O antigo deputado do PCP falou também de Paulo Raimundo e da nova liderança do PCP, dizendo que o secretário-geral do partido está a fazer um trabalho, reconhecidamente difícil, de afirmação. Ainda assim, o antigo deputado comunista esforçou-se por distinguir o PCP dos demais partidos, em que ter uma “carinha laroca” ou potencial de “conseguir mais votos” são critérios de afirmação. “Paulo Raimundo tem passado bem a integridade dos comunistas.”

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Miguel Tiago recusou ainda entrar em grandes discussões sobre as próximas presidenciais, não conseguindo esconder que não está particularmente feliz com os presumíveis candidatos à Presidência da República. “Reduzir a democracia a esse desfile de vaidades é empobrecedor.”

Houve “erros de perceção” no discurso sobre a guerra

O comunista arrancou a entrevista, de resto, a lamentar a “ofensiva ideológica” em curso contra o partido, com o único propósito de silenciar e combater o projeto comunista. Garantindo que o PCP assume as “suas responsabilidades inteiramente”, Miguel Tiago diz que houve uma “intensificação” da ofensiva durante a pandemia e, depois, com a “campanha de promoção de guerra” e de “hostilidade entre povos”. “O PCP não alinhou nesse discurso.”

Ainda sobre a Ucrânia, Miguel Tiago admitiu nesta entrevista que eventualmente o partido não terá sido suficientemente claro na forma como comunicou a sua posição e assim permitiu que os adversários “ganhassem espaço para dizer que o PCP era putinista”.

“Há de facto erros de perceção. Uma grande parte dos portugueses não estava a perceber aquilo que o PCP estava a dizer”, reconheceu. No entanto, mais de dois anos depois do início do conflito, argumentou Miguel Tiago, as pessoas estão a perceber que o apoio militar à Ucrânia serviu, na verdade, para lançar “mísseis americanos” contra a Rússia. “Não é preciso ter nenhuma simpatia por Putin para perceber que a guerra vai prejudicar todos os povos do mundo.”