O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou, num discurso durante o Congresso Mundial Sionista, que foi o Grande Mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini, líder religioso muçulmano e líder nacionalista árabe-palestiniano, que convenceu Adolf Hitler a avançar com a “Solução Final” na questão judaica. Segundo Netanyahu, durante a visita de al-Husseini a Berlim no dia 28 de novembro de 1941, Hitler sugeriu expulsar todos os judeus, ao que Grande Mufti respondeu que isso criaria um problema porque todos iriam para a Palestina. Assim, o líder muçulmano deu um conselho ao Führer: “Queime-os”.

Agora, e para esclarecer se o líder israelita tem razão ou não, o Times of Israel divulgou a transcrição da conversa entre Haj Amin al-Husseini e Adolf Hitler em 1941. E, como se pode ler neste documento, a sugestão para se queimar todos os judeus nunca existiu. É a prova dos factos: Netanyahu não tem razão.

Mas este documento é muito mais do que uma prova da razão, ou da falta dela, do primeiro-ministro israelita. É uma autêntica relíquia histórica que permite espreitar por dentro a diplomacia, os movimentos e as intenções do maior protagonista da Segunda Guerra Mundial.

Para se perceber o conteúdo desta conversa é preciso compreender o contexto de guerra que se vivia em novembro de 1941: no dia 22 de junho desse ano deu-se início à “Operação Barbarossa” – a invasão da União Soviética pelos exércitos nazis – e no mês de setembro já os soldados alemães cercavam Leningrado (atual São Petersburgo) e a sul conquistavam Kiev chegando, ao mesmo tempo, às portas de Moscovo.

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circa 1942: A Nazi soldier in his front-line post watching the burning Soviet and German Panzer tanks. (Photo by Keystone/Getty Images)

No dia 22 de junho de 1942 a Alemanha nazi invade a União Soviética e esse facto foi decisivo para o decorrer da conversa entre Hitler e o Grande Mufti (Keystone/Getty Images)

Igualmente importante é a situação que se vivia nos EUA. Nesta altura decorriam negociações entre americanos e japoneses para preservar a paz no Pacífico, o que evitaria que o gigante norte-americano entrasse na guerra. Mas as conversações estavam prestes a falhar. Por isso, quando Hitler e al-Husseini se reúnem ambos acreditam, estão mesmo convictos, que a União Soviética cairia em breve e a Alemanha conquistaria a vitória final na Segunda Guerra Mundial. Por isso, a conversa entre os dois líderes tinha como objetivo perceber se os árabes palestinianos deviam ou não ajudar a definir o resultado final do conflito.

O Grande Mufti começou a conversa com um agradecimento ao “grande Führer” pela simpatia demonstrada pela causa árabe e palestiniana recordando, em seguida, que ambos partilham os mesmos inimigos: “Os ingleses, comunistas e judeus.” Os ingleses eram, talvez, e juntamente com o povo judaico, o maior inimigo dos árabes. Isto porque, na Conferência de Paz de Paris, em 1919, no rescaldo da Primeira Guerra Mundial, a administração da Palestina foi entregue a Inglaterra, permitindo estabelecer no país o lar nacional judaico, vontade manifestada pelo Governo de Sua Majestade já em 1917, tendo também ficado estabelecido que nada deveria ser feito para prejudicar a população árabe. Este documento, denominado “Mandato Britânico da Palestina”, entrou em vigor apenas em 1923 terminando em 1948.

Por isso, o Mufti mostra-se disponível para cooperar na guerra através da instigação de revoluções por todo o Médio Oriente com o objetivo de combater os judeus; os ingleses, que ainda governavam a Palestina e controlavam o Iraque e o Egito; e até os franceses, que controlavam a Síria e a Líbia. Para além disto, al-Husseini propôs a formação da Legião Árabe, utilizando para isso prisioneiros árabes do Império Francês e, depois, prisioneiros de guerra na Alemanha.

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Na Conferência de Paz de Paris, em 1919, foi entregue a Inglaterra a administração da Palestina. O que permitiu estabelecer no país o lar nacional do povo judaico.

Chegados a este ponto, o Mufti referiu uma carta que recebeu da Alemanha a garantir que o Terceiro Reich não iria englobar nenhum território árabe e que compreendia e reconhecia as legítimas “aspirações de independência e liberdade dos árabes” para além de “apoiar a eliminação do lar nacional judaico.”O palestiniano agradecia esta mensagem mas queria mais. Uma declaração pública neste sentido seria muito produtiva em termos propagandistas no povo árabe. Al-Husseini garantia que os árabes se iriam levantar “da letargia momentânea e ganhariam uma nova coragem”. Assim, bastaria esperar pela ordem de Berlim para atacar.

O Führer torceu o nariz a esta sugestão. Pelo menos naquela altura. E é aqui que a “Operação Barbarossa” entra em cena. Hitler informou o líder muçulmano que a Alemanha iria, passo a passo, pedir a cada nação europeia para resolver o “problema judaico” e, quando chegasse a altura certa, estender o pedido a nações fora da Europa.

Mas esta era a única promessa. É que o problema, apesar de os alemães apoiarem totalmente as pretensões muçulmanas, era que a Alemanha estava envolvida numa “luta de vida ou morte” com dois centros do poder judaico: A Grã-Bretanha e a União Soviética. Ou seja, continuou, a guerra era “uma batalha entre o Nacional Socialismo e os judeus.” Para o alemão, no contexto temporal da reunião, era preciso ter cuidado com o envolvimento árabe no conflito, porque os judeus eram capazes de “mobilizar todo o poderio inglês de acordo com os seus fins.”

Mas havia mais. O exército alemão estava a lutar violentamente para forçar a passagem para a região norte do Cáucaso (zona da Europa oriental e da Ásia ocidental, entre o mar Negro e o mar Cáspio). Se o Führer declarasse publicamente, nesta altura, o apoio à causa muçulmana isto poderia levantar problemas, por exemplo, na Síria ocupada pelos franceses de De Gaulle. E podia fazer crescer a motivação dos gauleses, porque iria ser interpretada como uma intenção germânica de dizimar todo o império colonial de França. A acontecer, levaria a uma forte aliança entre franceses e ingleses para salvar o que podia ser salvo. E obrigaria a mobilização das tropas alemãs para o ocidente europeu, cancelando a sua campanha no leste.

Por isso o Führer pediu paciência ao Mufti. O muçulmano só tinha de esperar que a Alemanha abrisse caminho “para o Iraque e Irão através de Rostov” o que seria, igualmente, o “princípio do fim do Império Britânico Mundial”.

Nesta conversa entre o alemão e o palestiniano nunca é discutida, como sugeriu Netanyahu, se o melhor destino para os judeus seria a expulsão ou a aniquilação. E foram já apresentadas várias provas históricas de que a decisão de aniquilar todos os judeus na Europa tinha sido tomada nos seis meses antes desta conversa. Algo que muitos historiadores defenderam, nos últimos dias, depois das declarações do primeiro-ministro israelita.