Dois anos, oito planos de reestruturação e dois governos depois, a solução para o Banif chegou com a venda da operação bancária ao Santander Totta por 150 milhões de euros e o fim do banco. A fatura para os contribuintes, para já, será de pelo menos 2,6 mil milhões de euros, mas o Estado vai meter em risco mais que isso – cerca de 3,8 mil milhões de euros.

O longo parto que foi a solução para o Banif acabou com um nado morto. No final de 2012 o Estado avançou com um apoio de 1,1 mil milhões de euros para capitalizar o banco. Eram outros tempos. A troika estava em Portugal e o dinheiro para capitalizar o banco era do resgate.

O Estado avançou com um aumento de capital do banco de 700 milhões de euros, em forma de compra de ações preferenciais, e injetou mais 400 milhões de euros através da compra de obrigações de capital convertível, as chamadas CoCo bonds. Estas obrigações tinham um custo elevado e tinham de ser reembolsadas ao Estado até ao final de 2014. Os 700 milhões de euros tinham de ser devolvidos até ao final de 2017.

Para além do reembolso, o Banif tinha de apresentar, com o aval das autoridades portuguesas, um plano de reestruturação que satisfizesse as autoridades europeias, no caso, a Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia.

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No entanto, a Comissão Europeia duvidou desde o início da capacidade do Banif de devolver o dinheiro emprestado pelo Estado. Tal aconteceu mesmo quando no final de 2014 o Banif não foi capaz de reembolsar o que restava das obrigações CoCo.

Com a resolução, a primeira das perdas que o Estado tem de assumir são os fundos públicos injetados neste primeiro apoio. São 700 milhões de euros da compra de ações, mais 125 milhões de euros das obrigações CoCo que não chegaram a ser reembolsadas ao Estado.

BCE recusou solução como no Novo Banco

Depois de oito planos de reestruturação enviados para Bruxelas, todos eles chumbados, da saída do resgate, das eleições e do período que levou entre as eleições e a tomada de posse do Governo do PS, agora no poder, sobraram pouco mais de três semanas até à solução do Banif aparecer.

Na semana passada, noticias, entretanto desmentidas, que estaria tudo preparado para o fecho do banco precipitaram a saída de depósitos da instituição a um ritmo muito elevado. Foram mais de 900 milhões de euros em apenas uma semana.

A situação do banco e a pressão para encontrar uma solução rapidamente levaram a um convite do banco para a apresentação de propostas de compra. No final chegaram seis, mas apenas três eram vinculativas. Destas três, só duas chegaram a estar em cima da mesa por se tratar de bancos (uma condição imposta pela Direção-Geral da Concorrência da UE).

Para que a venda pudesse a acontecer sem resolução, o total da venda da operação não podia ter qualquer ajuda de Estado. Para isso, o valor da venda tinha de ser positivo no cômputo geral, caso contrário seria considerada uma ajuda de Estado.

A decisão tinha de ser tomada até dia 18 de dezembro, a passada sexta-feira, devido aos prazos administrativos necessários para se aplicar a resolução.

O Governo chegou a considerar a hipótese de criar um banco de transição – um bridge bank -, à semelhança do que aconteceu no caso do BES, mas para isso o Banco Central Europeu (BCE) tinha de dar uma licença temporária para esse banco operar. O BCE rejeitou, considerando que esse banco não era viável, em parte devido à elevada fuga de depósitos acontecida na semana passada.

Para agravar a situação, acresce a decisão do BCE de suspender o acesso do Banif ao financiamento do Eurosistema. A decisão foi tomada na quarta-feira e impunha que, a partir desta segunda-feira, o Banif não podia pedir mais dinheiro emprestado ao BCE. O financiamento de curto prazo teria de ser assegurado através do Banco de Portugal, ao abrigo do mecanismo de emergência de liquidez – a Emergency Liquidity Assistance -, que tem de ser autorizado pelo BCE, que define também o montante que pode ser emprestado.

O banco só podia ser vendido como Banif se não tivesse prejuízo para o Estado, caso contrário as regras consideram-no uma ajuda de Estado e com ajuda de Estado é obrigatório a aplicação de uma medida de resolução.

Salvar dois mil milhões em depósitos

A isto acresce a pressa das autoridades portuguesas. Quando a diretiva de resolução, já transposta para o ordenamento jurídico português, entrou em vigor no início do ano, esta previa uma cláusula de bail in em caso de resolução de um banco. Ou seja, antes de os contribuintes pagarem a fatura com a resolução de um banco, para além dos acionistas e dos detentores da dívida subordinada (que já eram chamados a pagar), também os detentores de outros tipos de dívida menos arriscada e os depósitos acima de 100 mil euros podem sofrer perdas, tudo isto antes de o Estado poder meter dinheiro no banco.

No caso do Banif, a principal razão é mesmo os depositantes acima de 100 mil euros. Dos seis mil milhões de euros de depósitos do Banif, cerca de um terço (dois mil milhões de euros) são depósitos superiores a 100 mil euros e entre estes estão incluídas as poupanças de muitos emigrantes portugueses.

Solução custa pelo menos 2,6 mil milhões

A solução encontrada para o Banif passa pela generalidade da atividade do Banif para o Santander Totta por 150 milhões de euros. O Santander fica com grande parte dos ativos e passivos do banco, como os depósitos, a carteira de clientes e os balcões. Os clientes do Banif são agora clientes do Santander Totta. Uma parte dos trabalhadores do Banif passa também a trabalhadores do Totta.

De fora dessa operação ficam os ativos tóxicos, que passam para uma sociedade veículo que estará sob a alçada do Fundo de Resolução. O Fundo terá agora de gerir esta sociedade veículo para a vender no futuro e minimizar os custos que o Estado está a assumir com o Banif. A seguradora Açoreana e a operação em Malta são alguns dos ativos que ficam neste veículo.

Para que isto acontecesse, o Estado teve de se chegar à frente com 2.255 mil milhões de euros. 1766 milhões de euros serão custo direto do Estado, mais um empréstimo de 489 milhões de euros ao Fundo de Resolução da banca, cuja responsabilidade deve ser assumida pela banca – mas a altura é complicada após o empréstimo de 3,9 mil milhões do Estado ao Fundo para a resolução do BES.

A juntarem-se a estes 2.255 milhões de euros estão mais 750 milhões de euros em garantias do Estado. Destes, 422 milhões de euros dizem respeito a uma garantia sobre ativos que o Santander recebe e que terá sempre de receber este dinheiro. Se for menos paga o Estado. Se os ativos venderem mais, recebe o Estado o excedente. Os restantes 323 milhões de euros dizem respeito a ativos que o Santander assume sem o tempo para as avaliações necessárias. Neste caso, a perda só se materializa em condições muito especiais e que têm de se concretizar no próximo mês e meio.

Assim, a solução custará o Estado certamente 1766 milhões de euros, a que se juntam os 825 milhões de euros já perdidos com o primeiro resgate ao banco no final de 2012. Ou seja, a fatura dos contribuintes com o Banif já é de pelo menos quase 2,6 mil milhões de euros.

O Estado tem de avançar também já (e já entregou um orçamento retificativo a pedir isso mesmo) com o empréstimo ao Fundo de Resolução. O dinheiro terá de ser devolvido pelos bancos, incluindo a CGD, mas não se sabe quando e em que moldes, o que eleva o total do envolvimento do Estado para quase 3100 milhões de euros.

A este valor acrescem ainda o valor das garantias, que podem ter de ser materializadas no futuro, e que podem fazer ascender o total da fatura dos contribuintes com o Banif para os 3850 milhões de euros.

Como a fatura pode ser reduzida

No entanto, há alguns fatores que podem ajudar a reduzir a fatura do Estado com o Banif. Em primeiro lugar, o Estado pretende vender o veículo que fica com os ativos tóxicos. Este fundo inclui algumas participações com valor, como é o caso da seguradora Açoreana.

Outro dos fatores que podem ajudar a um resultado melhor é a avaliação que foi feita dos ativos. A Comissão Europeia impôs uma avaliação muito baixa dos ativos que passaram para o veículo. Numa primeira fase isso fez aumentar o valor que o Estado teve de gastar para aumentar o capital do Banif quando retirou esses ativos do balanço do banco. No entanto, a baixa avaliação faz com que a recuperação no futuro possa ser mais positiva.

Nesta altura, os ativos estão avaliados em apenas um terço do seu valor nominal. Alguns dos ativos estavam identificados como sendo mais valiosos, mas Bruxelas exigiu esta posição mais conservadora.

Não acionar as garantias de 750 milhões de euros e o reembolso pelos bancos do empréstimo ao Fundo de Resolução podem também fazer descer a fatura total.

E a receita com a venda ao Santander?

A receita de 150 milhões de euros com a venda ao Santander Totta da operação bancária do Banif já está incorporada no valor da ajuda do Estado. Ou seja, este valor abateu ao dinheiro que o Banif teve de receber do Estado.

Sem estes 150 milhões de euros, a injeção de capital do Estado teria de ser superior, passando, em números redondos, os 2.400 milhões de euros.

E o défice?

De acordo com o ministro das Finanças, os 2.255 milhões de euros aumentam já o défice de 2015. Isto corresponde a cerca de 1,25 pontos percentuais do PIB previsto pelo INE em setembro. Ou seja, se o Governo cumprisse a sua meta do défice de 3%, juntando-lhe o Banif o défice subiria para cerca de 4,3%, fazendo com que o défice ultrapassasse os 4% do PIB pelo sétimo ano consecutivo.

A necessidade do Estado de se endividar para prestar esta ajuda ao Banif pode trazer mais custos com juros no futuro, o que fará aumentar o défice, mesmo que em quantidades mais reduzidas.

Uma questão que ainda está por esclarecer para as contas públicas é o impacto dos 125 milhões de euros dos CoCo’s que o Banif não chegou a devolver ao Estado. Ao contrário dos 700 milhões da compra de ações, que aumentaram o défice de 2013 em 0,4% do PIB, estes instrumentos não contaram para as contas públicas. A materialização de perdas deve obrigar agora ao registo no défice. Apesar de ser um valor reduzido, este fará aumentar o défice. A dúvida, que será esclarecida pelas autoridades estatísticas provavelmente só em março do próximo ano, é se estas perdas aumentam o défice de 2014, ano em que deviam ter sido pagos os 125 milhões, ou em 2015, ano em que se materializaram as perdas.

E os trabalhadores?

Dos cerca de 1600 trabalhadores do Banif, que reduziu o número de trabalhadores em 25% durante o período da reestruturação, pelo menos 560 ficarão garantidamente às ordens do veículo do Fundo de Resolução que vai gerir os ativos tóxicos do Banif.

Outra parte passa para o Santander Totta juntamente com a operação bancária que o Santander comprou, mas não se sabe quantos trabalhadores ao certo poderão perder o seu emprego, tanto agora com a passagem para o Santander Totta, como no futuro com uma eventual venda do veículo.