A ideia partiu da bailarina e coreógrafa Vera Mantero. “Ela apareceu-me com um livrinho de 1989 e todo o ciclo foi criado com base nas ideias desse livrinho”, recorda Mark Deputter, diretor artístico do Teatro Municipal Maria Matos, em Lisboa.

Assim nasceu o ciclo de programação As 3 Ecologias, que tem início esta terça-feira, dia 8, e inclui 15 propostas de espetáculos, debates, conferências e aulas práticas, a maioria das quais com entrada livre. A estreia absoluta de um novo espetáculo de Vera Mantero e a primeira visita a Portugal do ecologista norte-americano David Abram são dois dos destaques.

O livro de 1989 de que fala o diretor artístico pertence ao psicanalista e filósofo francês Félix Guattari (1930-1992), um pós-marxista que manteve estreita colaboração com os filósofos Michel Foucault e Gilles Deleuze. Em Les Trois Écologies, nunca traduzido em Portugal, Guattari fala de três dimensões ecológicas: pessoal, social e ambiental.

“Ele explica que qualquer alteração no nosso modo de vida e a mudança para um sistema sustentável implicam necessariamente mudanças nas três dimensões ecológicas”, resume Mark Deputter.

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Com o objetivo nos fazer pensar sobre “uma sociedade mais sustentável e ecologicamente mais responsável”, o ciclo As 3 Ecologias vem dar continuidade ao trabalho que o Maria Matos tem apresentado nos últimos anos, com conceitos de programação que atentam em temas da atualidade. Os curadores, neste caso, são precisamente Vera Mantero e Mark Deputter, a que se juntou a especialista em estética Liliana Coutinho.

“Para mim, programar um teatro tem muito que ver com a ligação entre o mundo artístico e a sociedade civil”, defende Mark Deputter. “Os pensadores e os artistas não estão separados do resto da sociedade e isso vê-se na criação artística contemporânea, cada vez mais virada para o teatro intervencionista, um teatro que quer tomar posição em termos políticos e sociais.”

Segundo o diretor artístico da sala lisboeta, as artes de palco das décadas de 60 e 70 “defendiam uma certa visão do mundo e a necessidade de se agir numa certa direção”, o que hoje “é menos claro”. “Sinto que agora a linguagem é mais no sentido de recusar o discurso oficial, segundo o qual o capitalismo democrático é o único modelo possível.”

O ciclo As 3 Ecologias prossegue até 25 de Abril – “a data é mera coincidência”, esclarece Deputter – e procura chegar a um “público alargado” que se interessa por “conteúdos consistentes, trabalhados com rigor e alguma profundidade”.

A pedido do Observador, o diretor artístico comentou as propostas do ciclo. Mas a primeira, agendada para esta terça-feira, é comentada pela protagonista, a psicóloga Gabriela Moita.

1. Debate com Gabriela Moita
Terça, 8, 18h30, Palácio Pombal (Rua de O Século, 79), entrada livre

Gabriela Moita vai debater com o público o primeiro episódio da série documental The Century of the Self (2002), de Adam Curtis. Entre outros aspetos, o filme explica como o sobrinho de Sigmund Freud, Edward Bernays, criou o conceito “relações públicas”, no início do século XX, assumindo tratar-se de uma técnica de manipulação das consciências que vai buscar conceitos à psicanálise. “O filme mostra como a ciência pode ser utilizada de forma perversa”, explica Gabriela Moita. “Mas o que interessa mais é perceber o outro lado: a maneira como estamos disponíveis para mudar de ideias, rever conceitos, mudar atitudes.”

2. Workshop “Práticas de Transição Interior: Permacultura de Dentro para Fora”
Sábado, 12, 18h30, Palácio Pombal, 14 euros

Filipa Santos, responsável pela área de aprendizagem do projeto Biovilla, em Palmela, vai dar uma aula prática sobre “o pensamento alternativo e os métodos que nos permitem fugir ao consumismo e repensar a nossa maneira de estar no mundo”, diz Mark Deputter. “Não podemos continuar a gastar recursos da forma como gastamos, porque o ecossistema é finito. É preciso pensar na transição e aí aparece a ideia de permacultura.”

3. Debate “Para uma Ecologia Política”
Terça, 15 de março, 18h30, Teatro Maria Matos, entrada livre

Nesta proposta, debate-se a ecologia do ponto de vista social. A professora universitária Catherine Larrère, presidente da Fundação de Ecologia Política, de Paris, “trabalha sobre a política ecológica, ou a ecologia política, isto é, sobre como pensar a sustentabilidade e a ecologia ao nível das políticas públicas.” A conferência é em francês, com interpretação simultânea, e terá a duração de 90 minutos.

4. Espectáculo “Mental”, por the vacuum cleaner
Quinta, 17 de março (até ao dia 20), Palácio Pombal, 6 a 12 euros

“É um dos três eventos performativos que vamos programar. Está relacionado com a criação de um sujeito perfeito para a sociedade de consumo. the vacuum cleaner tem uma história interessante: passou muito tempo internado em hospitais psiquiátricos e, além disso, é considerado um ativista perigoso pela polícia britânica. O espetáculo fala da sua luta pessoal dentro destes dois sistemas que tentam limitar-nos: o sistema de saúde, que define o que é a saúde mental, e o chamado estado de direito, que estabelece limites à liberdade do indivíduo.”

5. Debate “O ‘Interior’ da Transição: Capacitar para Modos de Vida Sustentáveis”
Sexta, 18 de março, 18h30, Palácio Pombal, entrada livre

Durante 90 minutos, Annelieke van der Sluijs, do movimento ecologista Transição, e Luisa Magnano, da associação Mais Cidadania, guiam esta conferência-debate “sobre o que podemos fazer em conjunto para sermos agentes de mudança”, diz Mark Deputter.

6. Espetáculo “O Limpo e o Sujo”, de Vera Mantero
1 a 3 de abril, 21h30 (domingos às 18h30), Teatro Maria Matos, 6 a 12 euros

Coreógrafa Vera Mantero

Coreógrafa Vera Mantero

“Na realidade, a vida não é uma coisa limpa. Reconhecer isso seria meio caminho andado para a tornar menos suja, ou seja, para a possibilidade de nos tornarmos mais felizes.” É a partir desta frase da jornalista e crítica Ana Cristina Leonardo que a coreógrafa Vera Mantero está a criar um novo espetáculo de dança, em conjunto com Elizabete Francisca e Volmir Cordeiro. “A criação está a decorrer, não vi ainda os ensaios, mas sei que está relacionada com o tema da transição interior”, explica o diretor artístico do teatro.

7. Debate “Espaços Urbanos de Possibilidade”
2 e 5 de abril 2016, Palácio Pombal, entrada livre

O convidado, Sacha Kagan, investigador académico na área das artes e desenvolvimento sustentável. “O worskshop é sobre isso mesmo: como é que a arte pode falar de sustentabilidade e relacionar-se com incitativas semelhantes da sociedade civil.”

8. Espetáculo “Oblivion”, de Sarah Vanhee
7 e 8 abril, Teatro Maria Matos, 6 a 12 euros

“Espetáculo sobre o significado do consumo, de guardar objetos, de deitar objetos fora. Durante um ano, Sarah Vanhee guardou ideias, cartas, emails e todo o lixo que produziu no dia-a-dia. Agora traz essa tralha para Lisboa e faz uma performance a partir daí.”

9. Debate “Mercado de Saberes”
9 de Abril, Jardim do Palácio Pombal, entrada livre

Lê-se no programa: “Neste mercado, a abundância gerada não será só de ideias, mas também de práticas concretas que procuram responder à seguinte questão: que gestos podemos integrar na nossa vida na cidade que sejam capazes de contribuir para uma cultura de maior sustentabilidade ecológica e social?”

10. Workshop “Cidades em Transição”
9 e 10 de abril, Palácio Pombal, 20 euros

“O objetivo é testar com um grupo de pessoas a criação de uma comunidade em torno da ideia de transição. O movimento de Transição existe a nível internacional há cerca de duas décadas. Propõe que pensemos o que fazer nas nossas sociedades para um mundo mais sustentável.” Com André Vizinho, engenheiro do ambiente, e Sara Serrão, cofundadora do Centro de Convergência do projeto Aldeia das Amoreiras Sustentável.

11. Debate “Economia, Ética e Relações Sociais”, com Filipe Alves, Sofia Santos e Tony Greenham
13 de abril, Teatro Maria Matos, entrada livre

“Ligação da sustentabilidade com as questões económicas”, resume o diretor artístico do Maria Matos. Os convidados são Sofia Santos, economista e comentadora; Tony Greenham, ex-banqueiro de investimento e um dos administradores do movimento ecologista internacional Rede de Transição; e Filipe Moreira Alves, economista e presidente da cooperativa Biovilla.

12. “O Dia do Rédimeide”
17 de abril, Teatro Maria Matos, 3 euros

“Proposta ainda em construção, consistirá numa série de instalações que ocupam todo o edifício do Maria Matos, incluindo o palco, os camarins e os escritórios.” Dirige-se a crianças e jovens, é uma ideia de António MV, José Capela e Rute Carlos e “brinca com a ideia de reciclagem e a ligação à arte, sendo que na arte o conceito ready-made é o que está mais associado à reutilização de objetos da vida quotidiana como peças artísticas”.

13. Conferência “Entre o Corpo e a Terra que Respira: Linguagem Selvagem e Ecologia da Experiência Sensível”
20 de abril, Teatro Maria Matos, entrada livre

Ecologista norte-americano David Abram

Ecologista norte-americano David Abram

Quase a fechar este ciclo, uma visita inédita do ecologista David Abram. “É um nome maior da ecologia e da sustentabilidade e vem defender uma visão do mundo contrária à tendência ocidental. Ele vê o Homem como uma continuação da natureza, razão por que não podemos continuar a utilizá-la a nosso bel-prazer. Ele diz que temos que nos sentir a fazer parte e não acima deste mundo.”

14. Encontro com David Abram
21 de abril, Palácio Pombal, entrada livre com inscrição prévia

Continuação da conferência do dia anterior, este encontro, especialmente dirigido a artistas e produtores culturais, permitirá um contacto mais próximo com o pensamento deste ecologista.

15. Workshop “Entre o Animal Humano e a Terra Animada: Perceção, Linguagem e Ecologia da Experiência”
23, 24 e 25 de abril, Biovilla (Serra da Arrábida), 130 euros

Última atividade com David Abram. “Ele passou muito tempo com índios, aborígenes e outros povos, em contacto com feiticeiros dessas culturas, e por isso entende que as pessoas devem voltar ao contacto com a terra, à comunicação com os animais e as plantas.” Eis o tema desta aula prática de três dias.