Mesmo uns minutos depois, com o tempo e jogo e a bola a mandarem que se ultrapassasse o que aconteceu, Rui Vitória ia gritando. Queria o árbitro o ouvisse e que, pelo menos ele, não esquecesse o que fez. “Big mistake, big mistake!”, ia-lhe berrando. O treinador vociferava o desagrado que sentira aos 69’, quando viu Nélson Semedo levar uma pancada no peito. Houve uma queda redonda do miúdo na relva, houve um encosto de Yuri Zhyrkov no lateral, não houve um apito do árbitro. E a jogada seguiu até o russo encontrar o momento certo de picar a bola para a pequena área onde Hulk a remataria de cabeça para a baliza. E Rui Vitória gastava a voz com gritos.

O homem que dá ordens no Benfica sabia que o sétimo golo da carreira do brasileiro aos encarnados podia tramar um jogo que, até ali, via a sua equipa a manter sob controlo. Com um susto ou outro, sim, mas controlado e calmo como os jogadores o mantiveram na primeira parte. Quando mostraram as razões que levam treinadores, comentadores da bola e entendidos a tanto falarem de uma coisa: dos espaços entrelinhas. Porque era isso que Renato Sanches e Fejsa impediam que existissem, nunca se afastando mais que dois metros de Lindelöf e Samaris, o central que teve de ser improvisado devido às leões que prenderam todos os outros em Lisboa.

O médio sérvio era o maior criminoso em campo e fartava-se de roubar bolas e furtar passes — acabou o jogo com nove desarmes e oito cortes de bola. O português era o mais generoso pela energia que gastava nas pernas para inventar contra-ataques e tirar a equipa de situações de pressão. Pelo meio havia um Gaitán a segurar a bola e a ganhar faltas e um Mitroglou e um Jonas que correram para garantir que a bola chegava pouco aos pés de Axel Witsel. Faziam-nos correndo para trás, para perto da linha de médios e para empurrar essa linha para junto da defesa. Os tais espaços entrelinhas eram pequenos e o Zenit nunca os conseguiu alargar. Jogava a passo, com trocas de bola lentas e sem alguém que acelerasse com a bola no pé.

Nem Hulk, que apenas rematou um livre contra a barreira (37’), nem Danny, que com dois avançados na equipa ficava preso às linhas e sem liberdade para correr por onde queria. Mas foi o português a perceber que só com passes longos e bola pelo ar conseguiria explorar o espaço que os centrais do Benfica tinham nas costas e só assim logrou obrigar Lindelöf e Samaris a terem de correr para trás e cortarem bolas. Entrelinhas não dava, mas como os russos insistiam em tentar, o Benfica recuperou as bolas que lhes deram quatro ou cinco contra-ataques rápidos que os pés direitos de Renato Sanches (20’) e Nélson Semedo (32’) acabaram com remates dos perigosos.

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O jogo ia tranquilo para o intervalo e, menos a tocar menos na bola, os encarnados tinham mais remates, mais faltas — logo, mais duros a defender — e mais controlo do que se passava. Estavam a 45 minutos dos quartos-de-final e o Zenit a uma metade de jogo de ser eliminado. Os russos arriscaram. Quiseram acelerar as jogadas e os laterais passaram a atacar sempre, ambos nas mesmas jogadas. O trabalho duplicava para Nélson Semedo e Eliseu quando Pizzi e Gaitán (mais o argentino que o português) deixavam de ter pernas para estarem sempre a correr para trás. Mais ainda quando André Villas-Boas mandou Smolnikov e Shatov tirarem os gorros e cobertores no banco para irem correr para o campo.

Benfica's defender Nelson Semedo (L) vies for the ball with Zenit's midfielder Yuri Zhirkov during the second-leg round of 16 UEFA Champions League football match FC Zenit vs SL Benfica at the Petrovsky stadium in St. Petersburg on March 9, 2016. AFP PHOTO / KIRILL KUDRYAVTSEV / AFP / KIRILL KUDRYAVTSEV (Photo credit should read KIRILL KUDRYAVTSEV/AFP/Getty Images)

Foto: KIRILL KUDRYAVTSEV/AFP/Getty Images

Estes dois russos mudaram muito as coisas porque o primeiro foi andar de mota para a lateral direita e o segundo fez o que ninguém no Zenit tentara até ali: pediu a bola nos tais espaços entrelinhas. Conseguiu receber vários passes e ser ele a dar outros, com poucos toques, e isso caiu mal aos encarnados. Um deles deixou Dzyuba na área com a bola que o russo rematou a centímetros da barra, já depois de o matulão avançado (53’) desviar um cruzamento de Hulk ao primeiro poste para Ederson defender. Uma jogada parecida viu Smolnikov também a falhar até os berros de Rui Vitória aparecerem, o apito do árbitro não se ouvir e Hulk fazer o 1-0. Rui Vitória via um “big mistake” no árbitro e o golo provocaria depois um erro na equipa de Villas-Boas.

Porque antes do golo os russos encurralavam o Benfica à área, empurravam os extremos da equipa para trás e deixavam Jonas e Mitroglou sozinhos, a correrem por bolas aliviadas para a frente. E depois o Zenit aliviou, abrandou, deixou de acelerar tanto e deixou que os encarnados respirassem e voltassem a controlar os espaços que tinham em campo. Dzyuba ainda inventou sozinho uma oportunidade (79’) na cara de Ederson antes de Raúl Jiménez não se importar com nada. O mexicano entrara para lutar como Mitroglou lutara e, aos 85’, resgatou com a cabeça uma bola perdida a meio campo e deixou-a a saltitar na relva.

Estava a 35 metros da baliza e quis rematar logo dali. Nem olhou à volta: disparou e o balázio que lhe saiu do pé só não entrou pelo ângulo superior esquerdo da baliza porque Lodygin decidiu voar e desviar a bola contra a barra. Tamanho foi o voo do russo que não lhe sobrou tempo para impedir que a recarga de Nico Gaitán desse em golo. Era melhor altura para o Benfica marcar o quarto golo nesta Liga dos Campeões. Os russos ficaram de rastos com a pressa de conseguirem dois golos em cinco minutos e a urgência só os fez criar um míssil no pé esquerdo de Hulk, que não acertou na baliza. A desorganização do Zenit chegou para Anderson Talisca, segundos antes de o árbitro dar o último apito, aproveita uma confusão a área para dar uma vitória ao Benfica em São Petersburgo.

Foi a quinta da equipa na prova, o melhor registo que um treinador já teve numa edição da Liga dos Campeões. Rui Vitória saiu aos pulos e aos gritos do banco. Já não berrava por um “big mistake”, mas por uma passagem aos quartos-de-final da competição, algo que o Benfica já não conseguia há quatro anos (2011/12), desde que lá tinham o homem que derrotaram no último sábado.

Benfica's coach Rui Vitoria reacts during the second-leg round of 16 UEFA Champions League football match FC Zenit vs SL Benfica at the Petrovsky stadium in St. Petersburg on March 9, 2016. AFP PHOTO / KIRILL KUDRYAVTSEV / AFP / KIRILL KUDRYAVTSEV (Photo credit should read KIRILL KUDRYAVTSEV/AFP/Getty Images)

Foto: KIRILL KUDRYAVTSEV/AFP/Getty Images