Portugal, como a União Europeia em geral, continua longe da utilização desejável dos antibióticos e da prevenção da resistência antimicrobiana. Em 2012, Portugal era o nono, entre 30 países europeus, com maior consumo de antibióticos na comunidade, acima da média europeia. Em 2014, passou para a décima sexta posição, não só por ter reduzido ligeiramente o consumo, mas também porque a média europeia aumentou. Os resultados do Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e de Resistência aos Antimicrobianos, em vigor há 34 meses, foram revelados esta terça-feira.

“Embora o aparecimento de resistências seja uma consequência natural da utilização destes fármacos, o seu uso desregrado tem acelerado e agravado essa tendência, ao ponto de terem emergido estirpes microbianas resistentes à generalidade dos antibióticos habitualmente usados. Simultaneamente tem-se verificado um decréscimo acentuado da síntese ou descoberta de novas classes de antimicrobianos”, refere o relatório da Direção-Geral de Saúde (DGS).

Os carbapenemos são antibióticos de largo espetro, indicados para utilização em algumas infeções graves por agentes multirresistentes, mas só devem ser usados em último caso, quando as restantes alternativas falharam. Em 2011, Portugal era o país europeu no qual se usavam mais carbapenemos, colocando-nos mais de três vezes acima da média europeia, refere o relatório. A média europeia foi aumentando e, em 2014, Portugal mostrou uma redução de 5% no consumo destes fármacos, mas ainda assim continua 2,3 vezes acima da média europeia.

O uso dos antibióticos generalizou-se a partir dos anos 1940, contribuindo para a redução da mortalidade, mas a uso excessivo e, por vezes, inadequado promoveu a proliferação de bactérias resistentes, sobretudo em contexto hospitalar. “Desta forma o antibiótico, essencial para a realização, em segurança, de muitas intervenções e procedimentos de saúde e determinante do aumento da esperança de vida verificado na segunda metade do século XX, perdeu eficácia”, refere o relatório. “A manter-se esta tendência, será posta em causa a medicina avançada que hoje se pratica.” A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta mesmo que, ainda durante este século, infeções outrora facilmente tratáveis passarão a ser mortais.

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Uma das utilizações importantes dos antibióticos é a profilaxia, ou seja, antes e durante uma cirurgia para evitar uma possível infeção e aumentar o prognóstico do doente operado. A DGS recomenda que a toma do antibiótico não se prolongue por mais de 24 horas depois da cirurgia, mas o prolongamento inapropriado era prevalente em 2014. Esta situação “não melhora o prognóstico, antes aumenta o risco de infeção por agentes multirresistentes no doente operado, e a pressão geradora de resistências no hospital”, refere o relatório. “É um dos principais desvios das boas práticas verificados na utilização de antibióticos nos hospitais portugueses, não sendo justificável a sua persistência.”

A DGS identificou alguns microorganismos que merecem um alerta especial: Staphylococcus aureus com resistência a vancomicina (VRSA) ou a linezolide ou a daptomicina, Enterococcus faecium e Enterococcus faecalis com resistência a linezolide, Enterobacteriaceae com suscetibilidade intermédia ou resistência aos carbapenemos ou presumíveis produtoras de carbapenemases, Pseudomonas aeruginosa com resistência à colistina, e Acinetobacter spp. com resistência à colistina.

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A taxa de resistência à meticilina em Staphylococcus aureus é um dos indicadores de resistência aos antimicrobianos classicamente medidos e reportados, refere o relatório. Portugal atingiu 54,6% na taxa de resistência, em 2011, um dos valores mais altos na Europa. Embora, em 2014 tenha descido para 47,4%, continua a ser preocupante.

A crescente resistência da Klebsiella pneumoniae também é um forte motivo de preocupação. Entre 2007 e 2014,
a taxa de resistência a cefalosporinas de terceira geração subiu de 16,5% para 40,9%, colocando Portugal entre os países com maior taxa de resistência desta bactéria que causou o problema no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho.

Mas as boas práticas vão além do uso apropriado dos antibióticos. Outro dos pontos referidos pelo relatório são as boas práticas na higiene das mãos. “[Em 2014,] em cada 100 oportunidades nas quais era recomendada
a higienização das mãos, os profissionais cumpriram 70.” Ainda assim o relatório refere que o nível de adesão dos profissionais à higiene das mãos tem vindo a aumentar de forma gradual desde 2011, quando era de 66,3%.

A OMS recomenda cinco momentos-chave higienizar as mãos, tornada mais simples com a disponibilização da solução antissética de base alcoólica: antes do contacto com o doente, antes do procedimento limpo ou assético, após risco de exposição a sangue ou fluidos orgânicos, após contacto com o doente e após contacto com o ambiente envolvente do doente. A adesão tem subido em todos os momentos, em especial “após risco de exposição a sangue ou fluidos orgânicos”, refere o relatório, mas é consistentemente mais baixa no primeiro e último momentos.

As infeções associadas aos cuidados de saúde e o aumento da resistência dos microrganismos aos antimicrobianos são um problema crescente a nível mundial e um dos alvos de preocupação da OMS. As projeções internacionais estimam que se não se tomarem medidas eficazes, por volta de 2050 morrerão anualmente cerca de 390 mil pessoas na Europa e 10 milhões em todo o Mundo como consequência direta da resistência aos antimicrobianos, refere o relatório.