A Procuradoria-Geral da República (PGR) acabou de emitir comunicado em que confirma uma data para acusação da Operação Marques: 15 de de setembro. Mesmo assim, pode não ser uma data definitiva. Amadeu Guerra, diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) que definiu hoje esse prazo a Rosário Teixeira, procurador responsável pela Operação Marquês, para concluir a investigação, admite que a data poderá ser alterada devido ao cumprimento de cartas rogatórias por parte dos tribunais internacionais.

João Araújo, advogado de defesa de José Sócrates, já criticou a decisão de Amadeu Guerra que foi avançada pelo Diário de Notícias. “É ridículo. É mais um prazo sobre um prazo e estamos a falar da vida das pessoas”, afirmou ao Expresso. Em declarações à Agência Lusa, Araújo foi mais violento: “Esta fixação de datas são absolutamente ilegais e ridículas”, argumentando que o prazo definido pela lei para a conclusão da investigação terminou em novembro de 2015.

Na RTP 3, por seu lado, Araújo afirmou que “o Ministério Público já abre a porta e já coloca o pé para mais um novo prazo para mandar mais cartas rogatórias. O Ministério Público não tem provas nem nunca teve contra José Sócrates. Não querem admitir que enganaram-se. Trata-se de disfarçar até que as pessoas se esqueçam. Até que alguém ponha ordem nisto”, concluiu.

Além de apontar baterias contra a procuradora-geral Joana Marques Vidal, que é acusada de “não por ordem nisto”, o causídico explicou a reação de José Sócrates ao conhecer a decisão de Amadeu Guerra: “A reação foi de alguma irritação. Não pelo prazo porque já se viu que isto não é para ser levado a sério. Mas sim porque aparentemente o Ministério Público pensa que pode continuar a gozar com a vida das pessoas”, afirmou.

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A PGR recorda no seu comunicado que o procurador-geral adjunto Amadeu Guerra tinha estipulado em dezembro de 2015 um prazo de três meses a Rosário Teixeira para informá-lo sobre o estado dos autos, de forma a que fosse definida uma data para a produção do despacho final de inquérito. O prazo dado a Rosário Teixeira terminou no dia 22 de março, tendo o procurador do DCIAP cumprindo as ordens do seu superior hierárquico.

De acordo com o comunicado da PGR, a decisão de definir o prazo final para 15 de setembro de 2015 tem em consideração os “critérios legais de compatibilização da celeridade com a objetividade e obrigatoriedade de análise da prova recolhida” definidos pela lei.

Isto é, o Ministério Público está obrigado enquanto titular da ação penal à “análise e apreciação objetiva de toda a prova coligida com vista”, de forma a tomar posição “sobre a existência de um crime, identificar os seus agentes, a responsabilidade de cada um deles e decidir sobre se há fundamentos para deduzir a acusação ou, não havendo prova suficiente, determinar o arquivamento do inquérito”.

Esta parte do comunicado indicia que o procurador Rosário Teixeira poderá produzir uma acusação que englobe todos os indícios que foram recolhidos contra José Sócrates e os 12 arguidos já formalmente constituídos como suspeitos no processo. A confirmar-se, significa que Sócrates poderia ser acusado de todos os crimes de que está indiciado (corrupção passiva para ato ilícito, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais), caindo por terra a tese de extrair certidão do crime de corrupção e avançar, numa primeira fase, para uma acusação contra Sócrates devido aos alegados crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

A PGR, no entanto, não deixa de aludir a diligências que ainda estão em curso e que poderão impedir o cumprimento da data de 15 de setembro. “Acresce”, lê-se no comunicado, “que, além da vasta prova a analisar e relacionar, estão ainda em curso, neste momento, diligências de cooperação judiciária internacional (3 cartas rogatórias). Aguarda-se a devolução das mesmas, estando a ser desenvolvidos todos os esforços no sentido de acelerar o respetivo cumprimento, através da cooperação bilateral e das instituições de cooperação europeias“. Basta o não cumprimento destas cartas rogatórias pelas instâncias judiciárias internacionais (algo que o DCIAP não controla) para que seja posta em causa a data de 15 de setembro agora definida por Amadeu Guerra.

Magistrados conscientes da responsabilidade

Ao que o Observador apurou, Amadeu Guerra fez questão de escrever no seu despacho (datado de hoje, dia 30 de março) que a equipa de magistrados do DCIAP coordenada por Rosário Teixeira está “consciente da responsabilidade” que o caso Sócrates acarreta e estão determinados a proferir despacho final de encerramento de inquérito assim que toda a toda a prova estiver recolhida, sistematizada e relacionada.

O próprio Amadeu Guerra, tal como o comunicado da PGR enfatiza, tem acompanhado de muito perto o desenrolar das investigações, reunindo de forma regular com o Rosário Teixeira, com Paulo Silva (inspetor tributário das Finanças de Braga que representa o papel de órgão de polícia criminal neste processo) e com os quatro magistrados do Ministério Público que estão a ajudar o procurador Rosário Teixeira. Tudo com o objetivo de “proferir despacho final no inquérito, no mais curto espaço de tempo possível”.

Diretor do DCIAP recua

Este novo despacho de Amadeu Guerra entra em contradição com a sua primeira decisão tomada sobre a mesma matéria a 11 de novembro 2015. Este despacho, que foi revelado pelo Observador a 18 de novembro, tinha como ponto de partida o não cumprimento do prazo original indicativo definido pela lei para a conclusão da investigação e uma divergência profunda entre o Ministério Público e o inspetor Paulo Silva sobre a data e a estratégia que deveria ser seguida para a conclusão da investigação.

Segundo o Diário de Notícias, Paulo Silva afirmou num relatório que consta dos autos da Operação Marques que tinha recebido ordens para a divisão do processo original em diversos inquéritos, de forma avançar-se de forma célere para uma primeira acusação contra José Sócrates. Paulo Silva era contra e escreveu mesmo que a investigação só poderia ser concluída em setembro de 2016.

Amadeu Guerra foi claro no seu despacho de novembro de 2015: “não concordo com a posição adotada pelo Órgão de Policia Criminal destes autos em relação aos prazos propostos para o encerramento do inquérito”.

No despacho emitido esta tarde, o diretor do DCIAP mostra que mudou de ideias ao fixar a data de 15 de setembro de 2016 como prazo final para o despacho de encerramento de inquérito.

Ao que o Observador apurou, as divergências que se verificavam em novembro de 2015 foram, entretanto, sanadas. Pelo menos, no que à estratégia a seguir diz respeito. A equipa coordenada por Rosário Teixeira, apesar de continuar incomodada com aquilo que considera ser uma excessiva preponderância de Paulo Silva nesta investigação, consensualizou a estratégia de manter uma única investigação e apreciar os indícios criminais de forma global.

A razão para esta mudança de ideias, que terá a aprovação do diretor Amadeu Guerra, prende-se com um receio de contaminação que o insucesso de uma primeira acusação poderia provocar nos restantes inquéritos. Isto é, caso o Tribunal de Instrução Criminal não decidisse por uma pronúncia para julgamento ou caso um tribunal de primeira instância absolvesse José Sócrates em julgamento, tais decisões poderiam ter um efeito dominó nos eventuais novos inquéritos.

Significa isto que o despacho final de encerramento de inquérito que devera ser deduzido até 15 de setembro deverá analisar todas as suspeitas que já foram recolhidas contra José Sócrates, tal como o comunicado da PGR desta tarde indicia.