Técnicos vestidos de T-shirt preta andam de um lado para o outro no átrio de Serralves, no auditório, nos corredores. Transportam material e verificam se está tudo bem, enquanto artistas de todo o mundo testam cenários e fazem comentários em português, em inglês, em espanhol. Há mesas de madeira e tendas brancas montadas no Parque. A azáfama é grande, ou não estivéssemos às portas do maior festival de expressão artística contemporânea do Porto, o Serralves em Festa. Entre as oito da manhã de sábado e a meia-noite de domingo há 40 horas de concertos, dança, performance, circo contemporâneo, teatro, cinema, fotografia, oficinas e visitas orientadas. A pensar naqueles que não sabem que roteiro seguir, o Observador pediu à diretora do museu, Suzanne Cotter, que partilhasse o seu.

E, apesar do muito que ainda há por fazer, a diretora do Museu de Serralves acede a sentar-se durante meia hora para traçar um plano. Os programas em português ainda não estavam impressos. Por sorte, funcionárias da Fundação passam nesse instante no átrio com os programas em inglês, acabados de chegar da gráfica. Retirados dois à pilha, a diretora australiana olha pela primeira vez para o calendário de eventos como as milhares de pessoas vão fazer dali a umas horas: com os olhos do público.

Serralves_sabado

serralves_11h Suzanne Cotter vai atravessar os portões com o marido, mas não será estranho vê-los separados, cada um num palco. “Temos gostos diferentes”. Normal, mas não é só isso. “Como diretora, tenho um envolvimento emocional com a Festa, gosto de ver como as pessoas reagem aos eventos.” O primeiro, logo às oito da manhã, é uma visita guiada de duas horas pelo Parque, para que o público possa ver como é o acordar da fauna e da flora. Para primeiro espetáculo, Suzanne escolhe estrear-se com “Eine Alpenjazzphonie”, concerto que a Orquestra de Jazz da Escola Profissional de Música de Espinho vai dar às 11h00, no Court de Ténis. “Não conheço bem a escola e dizem que é boa”. Está justificada a escolha.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

serralves_12h O caminho segue para o Auditório, onde vai estar a peça de teatro “E se tudo fosse amarelo?“, de Sílvia Real. “Interessa-me porque vai ser diferente”, diz em português, língua em que decorreu toda a conversa, à exceção de uma ou outra palavra mais difícil. Trata-se de uma peça de teatro e dança onde as crianças são bem-vindas, não só para assistir, mas para participar.

serralves_13h É hora de repor energias e almoçar. Suzanne vai comer dentro de portas, mas não no restaurante ou na Casa de Chá, que seriam as escolhas mais óbvias. “Vou andar pelo Parque, haverá comidas lá. O ano passado comi um hot dog.”

suzanne cotter serralves em festa

Suzanne Cotter, na apresentação do programa. © Divulgação

serralves_14h30 Se houver tempo, a australiana vai sentar-se durante hora e meia no Auditório para ver o filme português “Atrás das Nuvens“, de Jorge Queiroga, sobre a relação mágica entre um avô e um neto. “É a sua primeira longa-metragem, pode ser interessante”.

serralves_17h Esta é fácil. “Vou ver ‘Zangões‘, do Silvestre Pestana. Temos agora uma exposição do artista no museu e esta é a primeira performance concebida por ele”, explica. Com a duração de 20 minutos, “Zangões” interage com a exposição “Tecnoforma”, tem a duração de 20 minutos e capacidade para 150 pessoas. Quem quiser mesmo ver terá de chegar cedo.

serralves_17h30 Passo acelerado em direção ao Passeio da levada, para apanhar desde o início a instalação de dança contemporânea “Eu – Globulus“, de Pedro Prazeres. “Vai ser uma estreia absoluta e acho que pode ser muito interessante, por ser ao ar livre e por ele ser arquiteto paisagista, quero ver como se relaciona com o espaço.”

serralves_18h O concerto de Natural Information Society é um dos destaques do dia e Suzanne Cotter coloca-o no seu roteiro. A banda fundada pelo músico americano Joshua Abrams vai ter músicos portugueses convidados, como Norberto Lobo, a improvisarem entre o jazz e o rock para os felizardos que se deslocarem até ao Prado.

serralves_19h30 Ao contrário do Prado, há concertos e performances onde só cabem algumas dezenas de pessoas. É o caso da próxima escolha. Só 60 pessoas vão poder ver e ouvir o Quarteto de Cordas de Matosinhos na Galeria Contemporânea do museu. “Espero conseguir entrar”, diz. Ouvimos bem? Mas então a diretora não tem free pass? “Neste dia sou um elemento do público, não quero ter privilégios”, esclarece. “O Serralves em Festa é um evento muito democrático.”

serralves_20h O jantar vai ser em casa, “para descansar” e também para ter tempo de decidir como vai terminar a noite. “A dificuldade é escolher entre “Strata.2” e “Plan B”, ambos com início marcado para as 22h00. Mas, rapidamente, Suzanne Cotter arranja um plano B para conseguir o dom da omnipresença.

serralves_22h_v2 “Ok, ‘Strata.2‘, [coreografia da italiana Maria Donata D’Urso] dura 30 minutos. Posso começar ali e depois vou para a Clareira das Azinheiras para tentar apanhar o outro espetáculo”, conclui Suzanne. “Plano B” vai oferecer ao público uma hora de circo contemporâneo, com encenação do americano Phil Soltanoff e atuação de Aurélien Bory. Quem não quiser entrar em correrias tem nova oportunidade para ver “Plano B” no domingo, também às 22h00.

serralves_00h A Festa no Prado é um dos momentos mais concorridos e Suzanne não vai deixar passar o momento. A diretora vai estar à meia-noite em ponto em frente ao palco para ver e, quem sabe, dançar ao som de Batuk. O coletivo sul-africano recorre à música house para “juntar a diáspora africana a partir de uma linguagem e cultura rítmica partilhadas”, pode ler-se no programa. Promete.

Serralves_domingo

serralves_10h Quem quiser pode passar a madrugada em Serralves. A diretora prefere dormir e regressar fresquinha pela manhã, para assistir à leitura participa “A Coisa Vai“, conduzida por Zeferino Mota. “Pode ser um momento muito bonito”. Dura 40 minutos e repete às 11h00 e às 12h00, para quem quiser dormir mais um pouco.

serralves_11h15 Quique Mendez apresenta em várias ocasiões “Sem Remetente“, na Clareira das Bétulas, numa mistura entre circo e teatro. Suzanne vai assistir aos 40 minutos de espetáculo às 11h15. “Não conheço muito bem, mas o circo contemporâneo é sempre um dos destaques do Serralves em Festa e a companhia Jean Philippe Kikolas é uma das mais conhecidas da Europa, é uma oportunidade.”

serralves_12h Tal como na véspera, o almoço vai ser no Parque, ao sabor do que apetecer na altura. Para além da comida, Suzanne Cotter quer aproveitar esse tempo para estar com as pessoas e trocar impressões, de preferência com um café na mão. Que, numa festa com o tema “Juntar Mundos”, também é importante que as pessoas se juntem e convivam umas com as outras.

serralves_15h30 Fã daquilo que é diferente, o aperitivo pós-almoço será a música experimental de Haarvöl. Ainda por cima o espetáculo, “Perpectuum Immobile”, vai ser apresentado na Capela da Casa de Serralves. Só lá cabem 20 pessoas — repete às 22h00, para quem não conseguir entrar à primeira.

serralves_17h30 E com isto o Serralves em Festa já dura há 25 horas. Dentro das muitas solicitações, há escolhas mais difíceis do que outras. A das 17h30 foi fácil. “Para mim, um dos destaques é Praed. Conheço o artista Raed Yassin, é libanês, e acho que o concerto vai ser fantástico.” Vai ser no Prado.

serralves em festa 2014

No palco Prado não falta espaço para ver o espetáculo. © Divulgação

serralves_19h Várias instituições culturais do Porto são parceiras da Fundação e mostram-se neste festival. O Teatro Nacional S. João participa com “A Festa“, de Spiro Scimone. Será uma leitura participativa de Nuno Carinhas, Nuno M. Cardoso e Paula Braga, com a duração de uma hora, e só acessível a 30 pessoas — as que cabem na Galeria do Museu.

serralves_20h O plano é ir novamente para casa, comer calmamente e descansar, não só os pés, mas os olhos e a mente. Prepará-los para o último fôlego antes de o Serralves em Festa se despedir por mais um ano.

serralves_23h Suzanne lembra que isto dos planos tem que se lhe diga. “Ao falar com as pessoas normalmente também posso seguir o que me dizem e os planos alteram-se.” Por enquanto, a ideia é terminar o Serralves em Festa com a dança contemporânea de Mara Andrade, que apresenta na Galeria Contemporânea do museu o espetáculo “Um Triste Ensaio sobre a Beleza“.

E não termina nada mal, já que a dança é uma das formas de arte favoritas da diretora e curadora australiana. “Sobretudo se for ao ar livre, por ser diferente”, diz. Jazz e uma boa orquestra de cordas também captam a sua atenção, assim como tantas outras coisas. “Do que eu gosto é da diversidade e de ver as pessoas no museu”, as que já costumam frequentar habitualmente e aquelas que o descobrem nesta altura, explica. É por isso que não surpreende que seja Suzanne Cotter a autora do temadeste ano, “Juntar Mundos”. Durante 40 horas, o universo cabe dentro de Serralves.

Quem não quiser seguir os passos da diretora pode planear o próprio percurso com a ajuda do programa completo, que pode ser consultado no site oficial.

Ilustrações de Andreia Reisinho Costa.