Carlos César, líder parlamentar do PS, até fez uma metáfora futebolística dizendo que o Parlamento, tal como fez ontem a seleção de futebol, devia dar “7-0” à condenação das sanções da Comissão Europeia por défice excessivo em 2015. Todos queriam o mesmo, só não concordavam numa frase, por isso lá se arranjou maneira de meter todos os golos da esquerda e da direita contra Bruxelas. Apesar de o Parlamento ter falhado o entendimento para redigir um voto comum, o PS acabou por aprovar os dois documentos que foram a votos: primeiro o dos parceiros da esquerda, depois o da direita. Tudo em nome do “interesse nacional”.

Quando o tema é a Europa e as regras comunitárias, a “geringonça” treme e a discussão fica sensível no Parlamento. Foi o que aconteceu nos últimos dias em torno da eventual aplicação de sanções a Portugal por défice excessivo em 2015. Todos os partidos concordavam que as sanções seriam “injustas, infundadas, inaceitáveis e contraproducentes”. Mas à esquerda não se quis reconhecer aquilo que a direita diz que ser “factual”: que foram os “esforços de consolidação nominal e estrutural” alcançados nos últimos anos que permitiram a redução do défice. E por isso o Parlamento votou dois textos separados, com o PS a dar o seu voto a favor de ambos.

No final, e feitas as contas, o presidente da Assembleia da República congratulou-se pelo “consenso que acabou por ser bastante verificável”. “Todos os deputados desta câmara concordaram votaram contra as sanções e a maioria dos deputados desta câmara votou a favor deste parágrafo: ‘A Assembleia da República, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, pronuncia-se no sentido de considerar infundada, injusta, incompreensível e contraproducente uma eventual decisão da Comissão Europeia de propor sanções ao país por incumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento'”, disse Ferro Rodrigues no final da votação.

Passos lembra o passado, César puxa do interesse nacional. E PCP é apontado culpado

Mas foi preciso muita discussão para chegar até lá. Começou Carlos César, líder parlamentar do PS, a dizer que, à semelhança do que fez ontem a seleção de futebol, Portugal “devia dar 7-0” contra as penalizações de Bruxelas sem prejuízo das considerações que uns e outros fazem sobre a atuação deste ou do anterior Governo. “Quando se trata do interesse nacional devemos estar todos juntos nas formas e nos conteúdos”, disse o líder da bancada dos socialistas num debate que viria a revelar-se muito aceso e barulhento.

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Pedro Passos Coelho não deixaria o socialista sem resposta. Garantindo que o PSD se “esforçou” para que houvesse uma posição conjunta no Parlamento, o ex-primeiro-ministro e líder do PSD argumentou que a direita só quis manter a frase que levaria à discórdia porque é “a prova”, “factual”, do porquê da aplicação de sanções ser “injusta” e “infundada”. É que, “em termos de consolidação estrutural e nominal, Portugal teve um dos melhores resultados europeus”, disse, justificando que em 2015 o país só não saiu do procedimento de défices excessivos (ficou com défice de 3,2% e não abaixo dos 3%, como era previsto) por causa da resolução do Banif. E isso está previsto nas regras do semestre europeu.

“Portugal não incumpriu as regras do semestre europeu, essa é a nossa posição. Limitamo-nos a provar, com recurso à atuação no passado porque é que essas sanções seriam infundadas, mas há partidos que acham preferível omitir as razões só para não darem razão ao governo anterior”, disse Passos Coelho, referindo-se ao PCP, BE e Verdes, sem o dizer.

Passos não o disse, mas Nuno Magalhães fez-lhe as vezes. E foi duro: “O consenso [em torno de um voto comum] só não foi possível porque o PS está nas mãos do PCP, foi o PCP que impediu esse consenso”, atirou, aumentando o nível de barulho e de apupos ouvido no hemiciclo. Mais: “Os portugueses não mereciam que o PS, outrora responsável e europeísta não tenha dado acordo a este texto porque fiou refém do PCP”, acrescentou o líder parlamentar centrista.

Mas os comunistas não se ficaram, com João Oliveira a afirmar que “o problema foi que PSD e CDS quiseram impor uma opção de branqueamento do anterior governo”, ao sublinharem os “esforços” para a redução do défice sem no entanto explicarem à custa de quê foram feitos esses esforços. “O défice foi reduzido à custa dos salários, das pensões, da emigração”, atirou. Já o líder parlamentar bloquista, Pedro Filipe Soares, criticou a “hipocrisia” de Bruxelas por dizer que Portugal era “o bom aluno” e a agora querer sancionar.

Carlos César também não deixaria a direita sem resposta, afirmando que o Parlamento só não conseguiu chegar a um texto comum porque “o PSD não aceita defender o seu país se isso não incluir um elogio ao seu próprio partido”.

Na origem do desentendimento, que impediu o Parlamento de ter apenas um voto de condenação às sanções de Bruxelas, está a frase: “A mera possibilidade de impor sanções ao país (…) é infundada e injusta face aos esforços e resultados de consolidação nominal e estrutural alcançados pelo país e à grave crise económica e social que afetou Portugal”. O texto da esquerda diz apenas que “a mera possibilidade de impor sanções ao país (…) é infundada e injusta face à grave crise económica e social que afetou Portugal”. Ou seja, sem referir os esforços de consolidação orçamental, que são vistos como elogiosos da ação do governo anterior.

PCP, BE e PEV votaram contra a formulação da direita, mas PS aprovou-a. Ao mesmo tempo, o voto de condenação da esquerda mereceu a abstenção da direita. E ambas as formulações foram aprovadas.