Caneta, lápis, borracha, tinteiro e papel. Quando Manuela Azevedo chegou ao jornalismo, isto era tudo o que tinha na secretária para escrever os seus textos. Foi em meados dos anos 1930, Manuela teria pouco mais do que 20 anos e acabava de trocar a carreira de professora pela de jornalista. Apesar de nunca ter sido essa a sua intenção, acabou por ficar e só se reformou aos 80 anos, “quando anunciaram no Diário de Notícias que os computadores iam entrar” na redação. Hoje, com 103 anos, tem um livro de contos no prelo. E, por nunca realmente ter parado de escrever, foi esta quarta-feira, Dia Internacional da Pessoa Idosa, galardoada com o Prémio de Envelhecimento Ativo, atribuído pela Associação Portuguesa de Psicogerontologia (APP).

O contraste entre os caloiros universitários que por aquela hora se passeavam na Rua do Ouro, em Lisboa, e o que se passava no sexto andar do edifício do Montepio, na mesma artéria (onde a cerimónia teve lugar), era evidente. Além de Manuela Azevedo, a primeira mulher portuguesa a ter carteira profissional de jornalista, foram igualmente homenageados Rui Nabeiro, fundador da Delta Cafés, Carmen Dolores, artista, Fernando de Pádua, cardiologista, Maria Manuela Silva, economista e Filomena Moura Guedes, com trabalho na área da intervenção social. Todos eles têm mais de 80 anos. E, na plateia, eram raras as pessoas que, arriscaríamos, tinham menos de 65 anos.

Um conjunto, portanto, da chamada ‘terceira idade’. E que prémio dar a pessoas com mais de 80 anos? “É um nascer do sol”, afirma, com a voz meio embargada, Maria João Quintela, presidente da APP, referindo-se a uma medalha em que há um disco amarelo rotativo. A ideia, diz, é “mudar a cultura negativa que hoje grassa na nossa sociedade” e afirmar que “as pessoas são pessoas para toda a vida”.

E da vida de Manuela Azevedo aí está a própria para falar. Não se pergunta a idade a uma senhora, costuma dizer-se, mas neste caso nem é preciso perguntar, porque a jornalista e escritora, que todos julgavam vir de cadeira de rodas e chegou pelo seu próprio pé ao sexto andar do edifício, não se cansa de fazer o que fez toda a vida: contar histórias. Como aquela de quando, ainda jornalista recém-chegada a Lisboa, foi à estação de Santa Apolónia cobrir a partida de um homem para Paris. “Eu conhecia as pessoas pelos nomes”, diz a rir-se, lembrando-se que perguntou aos outros repórteres quem era o tal homem. Todos gozaram: era o Cardeal Cerejeira. Hoje, com os tais 103 anos, diz que se sente “muito cansada” – e se não se nota a idade no seu discurso, ela é evidente no seu andar. “Trabalhei muito, mas trabalhar muito para mim foi sempre um prazer. Só me arreliava quando tinha férias”.

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Essa atitude, aliás, esteve na boca de quantos discursaram na cerimónia de entrega dos prémios. “São uns privilegiados”, afirmou Santana Lopes, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, para quem “o privilégio hoje em dia é poder trabalhar até muito tarde”. Também o padre Vítor Feytor Pinto, presidente da assembleia-geral da APP, se referiu aos homenageados como “pessoas que não têm idade porque são sempre jovens”. E até Paulo Macedo, ministro da saúde, que apareceu quando a organização já não contava com ele, elogiou, através de citações do Papa Francisco e Franz Kafka, os idosos que sabem “cultivar a inteligência a par dos afetos”.

Comum a todos os premiados foi a ideia de que não mereciam a distinção. “Nunca perco tempo a pensar na idade. Não penso nisso porque não tenho tempo”, disse Carmen Dolores, arrancando risos à plateia, que antes se erguera seis vezes para aplaudir de pé cada um daqueles que envelheceram ativamente. Também Fernando de Pádua reiterou a ideia de que a vida não lhe vai chegar para tudo o que quer fazer. E deixou conselhos, que apelidou de AEIOU: “alimentação, exercício, inibir de fumar e beber, omitir o sal, uma visita ao médico por ano”.

Se a longevidade de Manuela Azevedo se explica por este menu, não foi possível apurar. “Não me sinto envaidecida” por receber o prémio, comentou. “Não fiz do jornalismo um meio de vida, dei-lhe sempre uma função total: criação de maior qualidade de vida para o leitor”. Ser homenageada “é como beber um copo de água”. E, com esta deixa, os convivas seguiram para o cocktail, na sala ao lado. Ali ficaram, conversando amenamente. Cá fora, os caloiros já se foram embora.