“O início de um novo capítulo das nossas vidas. Mais difícil, mais doloroso, menos alegre, menos cheio de amor.” Foi assim que Brendan Cox, marido da deputada trabalhista Jo Cox, descreveu o momento que está a viver com os dois filhos, Lejla e Cuillin.
— Brendan Cox (@MrBrendanCox) June 16, 2016
Assassinada esta quinta-feira, com 41 anos, Helen Joanne Cox era já “largamente considerada uma das deputadas mais promissoras do parlamento que iniciou funções em 2015”, lembra o The Guardian.
Mas nem sempre teve uma vida política ativa. O Telegraph recorda que, antes de ser eleita para o parlamento, Cox “passou uma década a trabalhar em algumas das zonas de guerra mais perigosas do mundo”. Quando chegou à Câmara dos Comuns, criou, e liderava, um grupo parlamentar composto por deputados de todos partidos dedicado ao conflito na Síria. Ficou rapidamente conhecida como o rosto de várias lutas humanitárias no parlamento britânico. “A grande paixão dela na política era ajudar as pessoas mais pobres do mundo”, lembra o deputado Andrew Mitchell.
Jo Cox contou ao jornal Yorkshire Post no ano passado que esteve “em algumas situações horríveis em que mulheres foram violadas repetidamente no Darfur”. E recordou outros episódios: “Estive com crianças-soldado a quem deram Kalashnikovs e que mataram membros da própria família no Uganda. No Afeganistão, falei com idosos que estavam fartos da falta de atenção do seu próprio governo e da comunidade internacional para impedir os problemas. Foi isso que a experiência me ensinou — se ignorares um problema, ele fica pior”.
[Veja aqui o vídeo da primeira intervenção de Jo Cox no Parlamento]
Apesar de ser do Partido Trabalhista, que era contra a intervenção na Síria, Jo Cox foi a favor daquela acção militar, invocando preocupações humanitárias. Quando escreveu um artigo em conjunto com o antigo secretário para o desenvolvimento internacional, Andrew Mitchell, foi atacada pelo seu próprio partido por estar lado a lado com um membro do Partido Conservador.
A relação com o partido não foi sempre fácil — Cox entrou várias vezes em conflito com o atual líder, Jeremy Corbyn. “Fraca liderança, discernimento pobre e um sentido de prioridades errado criaram distrações atrás de distrações e impediram-nos de fazer passar a nossa mensagem”, escreveu Cox num artigo no The Guardian, mostrando-se arrependida por ter apoiado inicialmente Corbyn. Numa entrevista ao The Independent, acusou o líder dos trabalhistas de não conseguir atrair votos para a campanha do “Remain” (movimento pela manutenção do Reino Unido na União Europeia), e disse que se o Reino Unido sair da UE, Corbyn terá de ser responsabilizado.
O The Guardian recorda que a deputada era uma feminista convicta, que liderou a Labour Women’s Network (LWN), rede que pomove a eleição de mais mulheres no Partido Trabalhista. Na página da LWN, lê-se que Jo Cox “era uma incansável e corajosa militante pelos marginalizados e sem voz”.
“Uma força da natureza”
Nascida em 1974, em Batley, Yorkshire, estudou em Cambridge, e passou os verões “a empacotar pasta de dentes” na fábrica em que o pai trabalhava. Sobre a universidade, disse que não foi a sua melhor experiência. “Onde tu nasceste interessava. A maneira como falavas interessava. Quem conhecias interessava. Eu não falava bem nem conhecia as pessoas certas.”
A própria admitiu que esse tempo em Cambridge a levou a entrar no Partido Trabalhista. No fim do curso, juntou-se à Oxfam na luta contra a pobreza, antes de chegar à LWN e se tornar a líder nacional. Depois de Mike Wood, o deputado que representava o círculo eleitoral de Batley and Spen, ter saído do parlamento, Cox foi selecionada para disputar o lugar. Venceu e aumentou a maioria do Partido Trabalhista em 2.000 votos.
O deputado conservador Andrew Mitchell descreve-a, num texto no Telegraph, como “uma força da natureza”. A amizade entre os dois deputados começou numa altura em que o Partido Conservador defendia a intervenção militar na Síria, a que o Partido Trabalhista se opunha. Mitchell recorda que Cox “só queria fazer o que estava certo”.
“Muita gente na situação dela teria estado relutante em trabalhar com um velho conservador como eu, mas ela não quis saber”, lembra Mitchell. “A Jo era a última deputada que poderíamos dizer que alguma vez estava em risco, porque era uma pessoa amável e simpática”, acrescenta.
Jo Cox deixa um filho e uma filha, e um legado de preocupação humanitária no parlamento inglês. Mitchell lamenta: “Aquilo em que é mais difícil pensar é nos seus dois adoráveis filhos. Eles viriam à Portcullis House [edifício que tem os gabinetes dos deputados] beber chá com a mãe. E ela agora não está cá”.