Primeiro foi Carlos Ghosn, responsável máximo da Aliança Renault-Nissan, quem avançou que a marca japonesa, detentora da maior fábrica de automóveis a operar no Reino Unido, poderá ter que repensar a sua estratégia de investimento no território, devido às consequências decorrentes da decisão de o país abandonar a União Europeia (UE). O CEO do consórcio franco-nipónico foi mesmo mais longe e avançou com a possibilidade de a marca japonesa desistir dos investimentos que tinha previstos para a Grã-Bretanha, caso o país não lhe garanta uma compensação por quaisquer barreiras fiscais que venham a ser impostas às suas exportações para a UE, resultantes do chamado Brexit.

Em declarações proferidas aquando da inauguração do Salão de Paris, Carlos Ghosn, citado pela agência Reuters, foi bastante claro:

Caso eu necessite de realizar um investimento nos próximos meses, e não puder esperar pelo final do Brexit, então terei de fazer um acordo com o governo do Reino Unido. Se vierem a existir barreiras fiscais para os automóveis, terá de haver um compromisso com os fabricantes de automóveis que exportam para Europa de que existirá uma qualquer compensação.”

De recordar que a Nissan é responsável por cerca de um terço de todos os automóveis que se produzem no Reino Unido, e vai ter que decidir, no início de 2017, onde será fabricada a próxima geração do Qashqai (actualmente produzido em Suderland, a par do Leaf e do Infiniti Q30).

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Por seu turno, Didier Leroy, vice-presidente da Toyota, não teve pejo em afirmar que se tornará “muito, muito difícil” a gestão da sua fábrica inglesa, caso a UE venha a impor direitos à importação de automóveis oriundos do Reino Unido, em resultado da negociação do Brexit. E fez o ponto da situação:

O desafio para todos nós, no Reino Unido, será mantermo-nos competitivos, uma vez que 85% da produção da nossa fábrica britânica é exportada para a Europa continental.”

Perante tudo isto, Ralf Speth, CEO da Jaguar Land Rover (JLR), fez saber que o maior construtor britânico está a rever a sua posição relativamente a novos investimentos, depois de o país ter decidido abandonar a UE. E que, se a Nissan conseguir firmar um acordo de compensação devido ao Brexit, então os restantes fabricantes terão de ser tratados ao mesmo nível.

“Somos o único fabricante automóvel no Reino Unido que aí fazemos todos o trabalho em termos de pesquisa, design, engenharia e planeamento de produção. Queremos um tratamento justo”, referiu Speth, a propósito das declarações do seu homólogo da Renault-Nissan. E sublinhou também que existem já sinais de que alguns clientes, na Europa (o maior mercado da JLR), deixaram de querer possuir um automóvel britânico na sequência do referendo que levou ao Brexit.

Ao mesmo tempo, Speth afirmou que não existem ainda alterações à estratégia de investimento de longo prazo da JLR, mas que a empresa terá agora de repensá-la devido à decisão dos britânicos de abandonar a UE, tomada a 23 de Junho passado. Mas o CEO da JLR deixa em aberto a possibilidade de novos investimentos – como o que levará à construção de uma nova fábrica de baterias e de automóveis eléctricos – serem realizados na Grã-Bretanha, caso as condições para tal sejam as apropriadas, incluindo as relativas a testes de desenvolvimento e de apoio científico: “O melhor seria termos algo no Reino Unido. Se aí produzirmos as baterias, também é aí que produziremos os veículos.”

Entretanto, a associação britânica do sector automóvel, a SMMT, salientou que a actual incerteza relativa ao Brexit não é favorável à atracção de investimento, considerando que o governo do Reino Unido deverá pugnar por manter a competitividade do sector, dado o seu sucesso nos últimos anos, em áreas como o aumento das exportações, a criação de emprego ou a contribuição para o crescimento económico do país. De lembrar que, no Reino Unido, os postos de trabalho de mais de 814 mil pessoas dependem das fábricas de automóveis detidas por empresas estrangeiras.