É isto. Como em 1984, António Sousa marcou o primeiro golo de Portugal em Campeonatos da Europa, como Figo marcou naquele Portugal-Inglaterra em 2000 ou como Eder resolveu o Euro 2016 vs. França, em Paris, Andreia Norton juntou a essas pequenas maravilhas, e a tantas outras, mais uma: a qualificação para o primeiro Campeonato da Europa do futebol feminino português. Portugal empatou contra a Roménia (1-1), apurando-se graças ao golo fora. Bendita UEFA, que se lembrou disso em 1965, certo?

Esqueçamos o que é cronológico, comecemos pelo que faz tremer o sangue que corre nas veias: o golo histórico. Aos 106′, a fechar a primeira parte do prolongamento, Andreia Norton deu um cabrito num romena e tocou para Cláudia Neto, que descobriu Ana Borges no lado direito. A camisola 9 começou a pedalar, como é hábito, e atacou a linha. A jogadora do Chelsea, que até começou o jogo a lateral esquerdo e agora jogava a médio direito, simulou um cruzamento e trocou as voltas à defesa (e a nós), puxando a bola para dentro. Entrou na área e ofereceu a Andreia Norte, que chutou de primeira; a bola bateu numa defesa, mas aquilo tinha ordem para entrar, 1-0. ‘Tá feito! Não estava, mas seria difícil o fado desta trama não acabar com sorrisos e lágrimas de alegria para o lado português.

Francisco Neto, o selecionador nacional, trocou as peças relativamente ao jogo de sexta-feira, no Estádio do Restelo. O losango deu lugar ao 4-3-3. Dolores Silva, que encheu o meio campo no Restelo e que foi decisiva no início das jogadas, foi menos influente, foi um trinco mais à antiga, mais preocupada em destruir e a compensar do que a pensar e arrumar a casa.

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A Roménia que surgiu em Cluj também foi outra. Foi completamente diferente, e por isso percebemos que a estratégia em Lisboa foi acabar como acabou (0-0), levando a decisão para casa, em Cluj, onde joga a maioria das selecionadas por Mirel Albon, o selecionador romeno.

Portugal ia expondo-se em demasia. Ou as portuguesas estavam desatentas ou achavam que ia ser levezinho como no Restelo. A Roménia estava mais venenosa no contra-ataque, virando o jogo mais vezes e melhor. Cláudia Neto estava desaparecida. Ana Leite não conseguia as arrancadas do costume. Carolina Mendes idem. E Dolores arrumava pouco a casa. Sobrava Ana Borges, a lateral do Chelsea, que também é avançada ou extremo, que arrancava sem vergonha por aquele lado esquerdo. Chegou a perder algumas bolas, uma ou outra que colocaram em xeque a sua defesa, mas não perderia a ousadia.

Um episódio bonitinho de se ver neste duelo aconteceu aos 18′, cedo na partida portanto. A jogada foi inventada pela direita e alguém muito bem-intencionado tocou para Carolina Mendes, que esperava na área. A camisola 18, quem sabe viu algumas cassetes de Madjer do FCP, quis marcar de calcanhar. Foi bonito, senhoras e senhores. A sério. A guarda-redes Părăluţă, que já havia brilhado em Lisboa, voltou a fazer o mesmo.

Intervalo. O jogo estava mais chatinho do que no Restelo. Havia mais Roménia, havia menos Portugal e menos balizas. Portugal ia tentando dominar, mas faltava mais acerto no passe e no posicionamento, talvez. Por vezes o jogo partia-se, estava perigoso. Aquilo podia pingar para qualquer lado.

Quem foi ganhando protagonismo foi a guarda-redes do Sporting, Patrícia Morais. Esteve tão bem, tão bem, que duas bolas que bateram na trave e que ela tentou sacudir, sem sucesso, foram ajuizadas como canto. Ela até disse: “Duas vezes!?”. Pois bem, Patrícia, representas o clube que tem um homem na baliza que está entre os 30 melhores jogadores do mundo. O prestígio e a qualidade pega-se.

A Roménia ia fechando bem, estavam organizadas e concentradas. E depois saíam com pujança, normalmente por Lunca, a camisola 14, que parecia pesada, mas que corria como poucas. A bola ficava coladinha ao pé e roubar-lha era uma carga de trabalhos.

Andreia Norton entrou aos 78′ e cinco minutos depois explicou ao mundo ao que vinha: bomboca, com a bola no ar, a passar pouco por cima da baliza de Părăluţă. O gesto foi de alto gabarito, fazendo lembrar os grandes, como Gascoigne ou Gerrard, sei lá. Claro que falta aqui contar uma história: Norton joga no Braga, mas no ano passado esteve no Barcelona. E ela até queria almoçar com Messi e Neymar…

O jogo não terminaria sem mais um lance de muuuuito perigo para Portugal. Foi Ana Borges, que parecia estar numa luta contra a fadiga nas pernas. Prri, prrii, priiiii! Prolongamento, seria sofrer a bom sofrer.

Aos 116′ deu-se o que contámos em cima, mas a Roménia empatou pouco depois, por Rus, com uma receção e remate à meia volta cheiinhos de classe. Lá está, a tal regra da UEFA de 1965 permitia respirar fundo, mas não tanto. Por isso, se desse para matar aquilo, era de valor. E Andreia Norton pôde fazê-lo: isolada, correu muito, tirou uma rival do caminho e, já dentro da área, podia ter oferecido a Diana Silva, que marcaria com a baliza deserta. Nop, Norton preferiu resolver tudo sozinha e deu-se mal. A garota tem 20 anos, mas adivinha-se um puxar de orelhas com um sorriso de Francisco Neto…

Está feito! Portugal está num Campeonato da Europa pela primeira vez na sua História. Os homens conseguiram-no em 1984 e chegaram logo às meias-finais. Como é, meninas?