Um terço das nossas vidas é gasto a tentar dormir. Ou melhor: a contar as horas de sono até o despertador tocar. Parte da sociedade partilha um sono inquieto e perturbado talvez porque, durante muito tempo, atribuiu pouca importância ao sono. Quantas vezes ouviu dizer que dormir é uma perda de tempo? No entanto, há investigadores científicos que estão a criar ligações entre os maus hábitos de sono e problemas de saúde física e psicológica como diabetes, doenças cardíacas, obesidade, ansiedade e esgotamento (burnout). Atualmente sabe-se que as horas que passamos a dormir moldam não só o humor mas também a motivação e capacidade de decisão. Mas as estatísticas do Sleep Council apontam que durmamos, em média, menos uma a duas horas do que na década de 1950. Já segundo a Associação Portuguesa do Sono, pelo menos 20% dos portugueses tem dificuldade em adormecer.

A verdade é que não dormimos o suficiente para tirarmos o máximo partido do tempo de vigília durante o dia e sermos mais eficazes no trabalho ou nas nossas relações com a família e amigos. “A ideia de umas boas oito horas de sono transformou-se numa lenda”, escreve Nick Littlehales no novo livro Sono que chegou às livrarias a 5 de abril. “A internet e o email alteraram para sempre a nossa forma de comunicar, consumir e trabalhar, e os telemóveis, inicialmente aparelhos para telefonar e mandar mensagens, em breve se transformaram em pequenos focos de luz azul para os quais olhamos durante muito tempo”, acrescenta o sleep coach de estrelas de desporto como Cristiano Ronaldo. Seja pela dificuldade em desligar, o trabalho 24/7 ou a cafeína, a verdade é que há cada vez mais estímulos que não nos deixam adormecer e “impedimentos para não dormirmos o suficiente”. Dormir é uma necessidade básica e, ao mesmo tempo, um luxo.

O livro, editado pela Arena e está à venda a partir de 5 de abril.

“A privação de sono é uma epidemia global”, disse Arianna Huffington ao Observador, em janeiro deste ano. “Hoje sabemos, através da ciência, que se realmente queremos pôr a nossa carreira em primeiro lugar, é no ato de dormir — por causa dos seus efeitos na performance e na produtividade — que devemos começar.” Arianna Huffington tem escrito livros sobre o assunto (para adultos e crianças), mas há outras formas de discutir — e de pôr em prática — o tema.

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De obrigação a preocupação partilhada por colaboradores, empresas e governos, o sono transformou-se num negócio rentável que tem como objetivo melhorar a qualidade do repouso. E uma vez que mezinhas tradicionais como o chá de camomila não dão resposta aos problemas persistentes de sono, há cada vez mais aplicações e acessórios que ensinam a fechar os olhos de forma inteligente e a regular o sono com sestas de 30 minutos.

Arianna Huffington: “A privação de sono é uma epidemia global”

Em 2014, a Casa de Serralves, no Porto, organizou o seu primeiro sleep concert (conceito desenvolvido por Robert Rich nos anos 1980) com o preço de 10€ e a duração de uma noite. Uma experiência, segundo o compositor norte-americano, que ajuda a mudar a forma como as pessoas encaram o sono numa sociedade em constante frémito através de diálogos musicais com os ciclos de sono do público. Quase três anos depois, dormir está na moda e já chegou aos ginásios (sim, leu bem) em formato de aulas de yoga calm onde as luzes se apagam para adormecer durante alguns minutos. Hoje, dormir é uma habilidade que deve ser estimulada e fomentada todos os dias, de preferência à mesma hora. Chegou o momento do descanso ocupar o lugar que lhe pertence.

Do ginásio para o cesto de compras, nas prateleiras dos supermercados encontra suplementos alimentares de melatonina (a hormona que desempenha um papel essencial na manutenção do ritmo adequado do sono-vigília). “A melatonina contribui para o alívio dos sintomas subjetivos da diferença horária e contribui para reduzir o tempo necessário para adormecer”, lê-se no rótulo de uma embalagem de 30 cápsulas cujo preço ronda os 20€. Segundo dados da consultora QuintilesIMS, a venda de suplementos calmantes cresceu 46% no último ano — com um aumento de 332.789 para 486.974 — o que se traduziu numa subida do valor do mercado de 4,7 milhões de euros em 2015 para 6,3 milhões de euros em 2016. Porquê? Dois em cada três portugueses não dormem o suficiente, descansando sete ou menos horas por dia, e metade diz não conseguir dormir bem durante a noite de acordo com um estudo realizado pela Conforama em janeiro deste ano.

Ao lado dos suplementos estão os chás calmantes e as infusões de boa noite — à base de funcho, camomila, raiz de valeriana e noz moscada — para beber antes de ir para a cama. Para ter na mesa de cabeceira, as essências florais como o Rescue Remedy prometem ajudar a restaurar a calma naturalmente e a ter uma noite descansada com apenas quatro gotas na língua, um rebuçado, uma cápsula ou spray. De passagem pelo corredor da higiene, destacam-se óleos e gel de banho à base de alfazema e camomila que ajudam a aliviar a tensão e a adormecer mais rápido. Dos sprays para perfumar o cabelo e a almofada, passando pelo creme de corpo relaxante, não faltam nem fronhas de almofada de seda à prova de uma noite mal dormida.

Quer dormir bem? Relaxe e perfume a almofada

A par do fenómeno, as aplicações de sono como a famosa Sleep Cycle (29,99€/ano) estão na lista das apps mais lucrativas por monitorizarem os movimentos do sono através da análise do ruído ou vibrações. A Sleep Cycle acorda-o na fase do sono mais leve (quando é mais natural para o corpo acordar) e faz uma estatística semanal para saber quanto tempo passou pelo sono profundo. O coach britânico Andrew Johnson lançou a aplicação Deep Sleep (2,99€) que, durante 20 minutos, estimula a sonolência e ajuda-o a entrar na fase leve do sono. Contudo, diversos estudos demonstram que a exposição à luz azul brilhante à noite pode afetar os ritmos circadianos, pelo que adormecer torna-se mais difícil. Será a tecnologia a solução quando os gadgets representam parte do problema? Segundo o jornal The New York Times, dormir é o novo sinal de status e as tecnologias podem mesmo trazer qualidade de vida (perdão, de sono).

A tecnologia é algo maravilhoso e não irei aconselhar que a faça desaparecer em troca de uma boa noite de sono — todos os nossos aparelhos vieram para ficar e estamos apenas no princípio. Porém, com um pouco mais de consciência, não precisam de ser prejudiciais ao nosso bem-estar“, promete o sleep coach Nick Littlehales no livro “Sono”.

A pensar nisso, a Apple lançou a funcionalidade Night Shift (disponível gratuitamente em iPhones, iPads, Apple Watch e computadores Mac) que altera automaticamente as cores do ecrã para as cores mais quentes do espectro de cores depois de anoitecer. De manhã, o ecrã regressa às definições habituais. Em Paris, um engenheiro de ciência de computação está a desenvolver uma fita para a cabeça que usa o som para induzir o sono através de ondas cerebrais. Chama-se Dreem e vai estar à venda a partir do verão. Na Austrália, o empresário Ben Olsen criou o Thim — um anel para usar no dedo — que o acorda a cada três minutos durante uma hora. Aparentemente, tais interrupções curam insónias e outros distúrbios do sono. Custa cerca de 150€ e pode ser conjugado com o Re-Timer (219€), um par de óculos que prometem regular o relógio biológico. Como? Através da emissão de luzes verdes e azuis durante um período de 30 minutos — tudo em prol do sono.

A fita Dreem usa o som para induzir o sono e foi testado em cerca de 500 pessoas entre 6.500 candidatos. (foto: Divulgação)

Nos últimos anos, a importância do sono para a nossa saúde foi provada de forma clínica. Instituições respeitadas em todo o mundo — as universidades de Harvard, Stanford, Oxford e Munique — têm produzido investigação pioneira no campo do repouso. “Esta investigação tem demonstrado tudo, desde as ligações entre o sono, a obesidade e a diabetes, até revelar que os nosso cérebros se livram das toxinas durante o sono”, conclui Nick Littlehales. Segundo o autor, o impedimento para não dormirmos o suficiente e não limparmos essas toxinas está ligado a vários problemas neurológicos, incluindo a doença de Alzheimer.

Está explicado porque é que as empresas começam a prestar atenção ao sono e a compensar os colaboradores que provem que dormiram 35 ciclos de sono por semana (aproximadamente oito horas por noite), segundo o Programa de Recuperação de Sono R90 do Sport Sleep Coach. O mau desempenho e esgotamento são maus para o negócio. De acordo com a Rand Corporation, as noites mal dormidas representaram cerca de 400 mil milhões de euros em perda de negócios nos EUA em 2016. Leia-se 2,28% do Produto Interno Bruto.

Daí que a procura por profissionais e especialistas do sono tenha aumentado exponencialmente através de programas de aperfeiçoamento do sono online (como o Sleepio ou o SHUTi) e feiras do sono que ensinam os participantes a escolher a melhor posição para dormir, a avaliar o colchão, a medir a qualidade do ar e a criar um kit de sono. Para dormir de forma mais inteligente, a roupa de cama deve ser hipoalergénica para afastar os potenciais impedimentos do sono e regular a temperatura. Algo que a almofada GhostPillow (79€) promete fazer por si ao manter a sua cabeça fria.

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O poder da sesta

“Quem é que no seu perfeito juízo pagaria por uma sesta?”, pergunta Van Winkles. Os serviços pay-to-nap (em português: pagar para dormir uma sesta) foram considerados uma tendência há uma década mas poucos ainda atribuem importância ao período da sesta. “Trata-se da maior e mais eficaz janela natural para exigir de volta um ciclo que perdemos de noite“, adianta o especialista em sono Nick Littlehales. Para além disso, é um bom período para nos prepararmos para uma potencial e futura noite tardia e para usarmos em harmonia com os nossos ciclos noturnos, como parte da rotinal semanal de adormecer e acordar.

Passos para um sono inteligente

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  1. Segundo o livro Sono, de Nick Littehales, a sesta durante o período do meio-dia será o modo perfeito de suplementar os seus ciclos noturnos em harmonia com os ritmos circadianos.
  2. O final da tarde é a segunda melhor oportunidade mas limite-a a um máximo de 30 minutos, para não afetar o seu sono noturno.
  3. Não consegue dormir de dia? Passe 30 minutos a desligar-se do mundo.
  4. Faça intervalos, pelo menos de 90 em 90 minutos, para refrescar o espírito e os seus níveis de concentração. Evite a tecnologia nessas janelas, para não passar um total de 90 minutos ligado a tecnologia.
  5. Use aplicações de meditação.
Usando este tempo para uma sesta durante a tarde, podemos começar a maximizar todas as horas do dia para um maior desempenho. O grande problema é que as sestas sempre tiveram má fama e os seus praticantes eram muitas vezes considerados preguiçosos. Ao ser conhecida como “sesta de energia”, a prática perdeu grande parte da sua má reputação no mundo empresarial. “Lentamente, a eficácia destas sestas curtas e restauradoras tem sido reconhecida por muitos programas de bem-estar das empresas que oferecem instalações para que o seu pessoal faça uma sesta de energia à tarde”, explica o autor do livro Sono. O cansaço mata o desempenho.

Cada vez há mais produtos, práticas de meditação e aplicações de mindfulness como o Power Nap que desempenham uma função essencial ao adormecer e acordar o utilizador em 30 minutos. O Hypnos Sleep Hoodie, por exemplo, custa à volta de 45 euros e serve de almofada portátil para passar pelas brasas em qualquer lugar. Já espaços como o YeloSpa, em Nova Iorque, criaram pequenas cabines patenteadas onde pode dormir uma sesta de 20 a 40 minutos. “Se o fizer, poderá afastar-se das tensões e stress do seu dia”, escreve Nick Littlehales, com a promessa de que as empresas desfrutarão da vantagem de uma produtividade aumentada e, nós, da garantia de felicidade a longo prazo.

Não restam dúvidas: o negócio do sono acordou e talvez a tecnologia seja mesmo a solução para as voltas sem fim na cama.