A União Europeia deve considerar dar incentivos, como dinheiro do orçamento comunitário, para ajudar os países a fazer reformas estruturais que acelerem o crescimento económico, afirmou esta quarta-feira o diretor da Direção-Geral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, Marco Buti, depois de anos em que a consolidação orçamental foi feita à custa do investimento e acabou por fazer baixar a qualidade das finanças públicas.

Depois de anos a insistir na necessidade de meter as contas em ordem, reduzir o défice e a dívida pública, a Comissão Europeia admite que a forma como estes cortes foram feitos não foi a melhor e pode ter prejudicado os países.

Numa apresentação perante os banqueiros centrais e académicos presentes no Fórum do Banco Central Europeu em Sintra, Marco Buti, o líder de uma das mais poderosas direções-gerais da Comissão Europeia, fez uma autópsia pouco animadora do que foi feito durante a crise e deu Portugal como um dos piores exemplos no que diz respeito ao investimento na educação, admitindo ainda falhas nos instrumentos da União Europeia.

A apresentação do italiano era dedicada a entender como seria a postura dos governos após a crise: iriam continuar a consolidar as finanças públicas e a fazer reformas como (os países mais afetados como Portugal) o fizeram durante a crise?

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A resposta é que, provavelmente, não. Segundo Marco Buti, para fazer reformas, especialmente as que dariam melhores resultados, os países precisam de dinheiro, mas nesta altura os governos estão pressionados para usar a pouca margem que existe para corrigirem injustiças sociais que a crise gerou. Não havendo dinheiro, Marco Buti antecipa que os países acabarão por escolher uma das opções: ou consolidam as suas contas públicas, ou fazem reformas.

Marco Buti admite que as cláusulas de flexibilidade que existem nas regras orçamentais europeias e que permitem à Comissão Europeia fechar os olhos a um aumento do défice para que se façam reformas estruturais “não são fáceis de implementar” e são insuficientes.

Acresce a esta insuficiência na flexibilidade prometida pela Comissão Europeia que as regras orçamentais não obrigam os governos a escolher políticas que aumentem o crescimento potencial e melhorem as finanças públicas no longo prazo.

Como se pode então incentivar os governos a fazer reformas neste quadro complicado? Segundo Marco Buti, é preciso criar incentivos – em vez de penalizações – para que os países invistam nesta reformas e sugere mesmo que, por exemplo, seja financiamento do orçamento comunitário a essas reformas, uma proposta que deve ser bem recebida pelos países mais atingidos, mas de forma menos entusiástica pelos países mais ricos, especialmente se for necessário aumentar a contribuição para o orçamento comunitário destes países.

O diretor da DG ECFIN criticou ainda o tipo de consolidação orçamental que foi feita na Europa – em especial pelos países mais afetados pela crise -, dizendo que a forma como a austeridade foi aplicada acabou por piorar a qualidade das finanças públicas e deu o exemplo de Portugal em alguns destes casos na sua apresentação.

De acordo com os dados apresentados, Portugal foi o país que mais cortou no investimento em educação durante – entre 2010 e 2015 – e acabou por ter menos resultados a reduzir o saldo estrutural que, por exemplo, a Grécia, sendo que Atenas manteve o nível de investimento em educação relativamente estável.

No emprego, a troika chegou antes da troika

Um dos quadros apresentados por Marco Buti mostram que a proteção do emprego que foi sendo reduzida em Portugal ao longo dos anos começou muito antes da crise. De acordo com estes dados, entre 2003 e 2008 Portugal foi o segundo país que mais reduziu a proteção no emprego, a par da Irlanda, apenas superados pela República Checa.

Neste período pré-crise, a maioria dos países da União Europeia mantiveram inalterados os seus níveis de proteção do emprego.

No entanto, mesmo depois destas mudanças, Portugal – que esteve sob um programa de resgate entre 2011 e 2014 – voltou a reduzir substancialmente a proteção no emprego durante os anos da crise. Entre 2010 e 2013, Portugal foi o país que mais reduziu a proteção no emprego, mais até que a Grécia.