Há 15 anos, a 7 de outubro de 2002, um miúdo de 17 anos fez isto.

Estávamos no Campeonato Nacional de 2002/03 quando um tal de Cristiano Ronaldo recebeu um passe de calcanhar do pequeno Toñito e agigantou-se a passar defesas do Moreirense. Um, dois, três, o guarda-redes, golo! O primeiro golo deste jovem prodígio madeirense pelos seniores do Sporting deu muito nas vistas, mas a exibição que fez deu ainda mais. Tanto que, no jogo de apresentação da temporada seguinte, que coincidia também com a inauguração do novo estádio José Alvalade, deu tanto, tanto nas vistas que o Manchester United ficou encantado e chegou-se à frente com 15 milhões de euros (na altura, muito dinheiro) e contratou-o uns dias depois.

Fernando Santos, que tinha sido o engenheiro do penta no FC Porto entre outros bons trabalhos no Estoril e no E. Amadora, passou pela Grécia (AEK Atenas e Panathinaikos) e chegou aí aos leões com a esperança de voltar a ser campeão. Já tinha ficado sem Ricardo Quaresma nesse Verão, perdeu também Cristiano Ronaldo. Mais de uma década depois, o treinador reencontrou o miúdo maravilha como homem feito e melhor do Mundo.

Há mais ou menos 15 meses, confirmou-se aquilo que Fernando Santos tinha referido durante o Campeonato da Europa: só ia regressar a Portugal no dia 11 de julho de 2016 e como campeão. Foi o maior feito de sempre do futebol nacional, que trouxe também uma outra forma de olhar para o agora selecionador: aquela imagem sisuda, de cara fechada de alguém batido no banco e com muitos anos de carreira transformou-se numa visão de alguém profissional, que brinca quando tem de brincar e ganha quando tem de ganhar liderando da melhor forma um grupo que se foi transformando numa “família” com o tempo e o sucesso. E, daí para cá, começou-se a “ouvir” a sério o técnico, que tem razão em tudo o que diz… mesmo quando isso não é o melhor para Portugal (e se rebobinarmos o filme, tinha deixado um aviso bem sério antes do jogo com a Suíça, que deveria ser encarado desde início de forma humilde ou poderia haver dissabores, como houve).

Em condições normais, qualquer líder que chegasse a Andorra e traçasse um cenário de dificuldades como aquele que Fernando Santos gizou seria rotulado como alguém desfasado da realidade. Mas o selecionador tinha razão e atrás de si estavam também os números: nos quatro jogos realizados nesta qualificação em casa, o adversário tinha somado quatro pontos e consentido apenas três golos. Se não tinha sido fácil para Letónia, Suíça, Ilhas Faroé e Hungria, também não seria para Portugal. E não foi, como se perceberia com o passar dos minutos.

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Ficha de jogo

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Andorra-Portugal, 0-2

9.ª jornada do grupo B da fase de apuramento para o Mundial

Estádio Nacional de Andorra, em Andorra-La Vella

Árbitro: Miroslav Zelinka (Sérvia)

Andorra: Josep Gomes; Chus Rubio, Ildefons Lima, Max Llovera, Moisés San Nicolás; Victor Rodríguez (Juli Sánchez, 87′), Marc Rebés, Marc Vales, Ludovic Clemente (Alexandre Martínez, 79′); Márcio Vieira (Sergi Moreno, 88′) e Jordi Aláez

Suplentes não utilizados: Ferran Pol, Emili Garcia, Gabriel Riera e Marc García

Treinador: Koldo Alvarez

Portugal: Rui Patrício; Nélson Semedo, Pepe, Luís Neto, Eliseu; Danilo Pereira, João Mário; Gelson Martins (Cristiano Ronaldo, 46′), Ricardo Quaresma (William Carvalho, 80′), Bernardo Silva e André Silva (Gonçalo Guedes, 90′)

Suplentes não utilizados: Anthony Lopes, Beto, Antunes, José Fonte, João Moutinho, Éder, André Gomes, Cédric e Bruno Fernandes

Treinador: Fernando Santos

Golos: Cristiano Ronaldo (63′) e André Silva (86′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Jordi Aláez (37′), San Nicolás (57′), Victor Rodríguez (76′)

Fernando Santos colocou nesta experiência em Andorra as questões disciplinares (Portugal tinha seis jogadores em risco de exclusão caso vissem amarelo), a decisiva receção à Suíça (assim vencesse nesta penúltima jornada) e o facto de alinhar num piso sintético (que em termos de desgaste físico e muscular não é a mesma coisa, ainda para mais num mau “relvado”) no balão de ensaio e entrou em campo com um onze muito diferente do que se esperava. Logo a começar pela não titularidade de Ronaldo, tal como Cédric Soares, José Fonte e André Gomes.

Com Danilo Pereira a assumir a posição ‘6’ tendo João Mário à sua frente, Gelson Martins e Quaresma nas alas e uma dupla de Silvas no ataque (Bernardo e André), a Seleção Nacional surgiu pronta para um jogo de sentido único mas claudicou em alguns princípios que foram arrastando o nulo com o passar dos minutos. A começar logo na forma como conseguia jogar em largura sem profundidade e que, até aos 25 minutos, hipotecou qualquer hipótese de sequer criar oportunidades de golo (e o único remate passou muito ao lado, de Pepe).

João Mário provocou a primeira “mexida”: ao subir para o terreno entre linhas que não estava povoado pela enorme população de vermelho à frente da baliza de Gomes, houve outra capacidade nas segundas bolas e no corredor central. Foi mais ou menos por essa altura que Ricardo Quaresma apareceu, com um cabeceamento a rasar o poste após cruzamento de Nélson Semedo com corte deficiente (25′) e com um remate para defesa vistosa (29′).

Depois, e mesmo não sendo suficiente, a dinâmica pelas alas foi aumentando de forma muito ligeira, apesar da constante inferioridade numérica que, por exemplo, Nélson Semedo e Gelson Martins enfrentavam pela direita (3×2 ou mesmo 4×2). Nem de bola parada o cenário de completo bloqueio mudava, apesar das diferentes combinações em lances de estratégia que Portugal ia tentando. Assim, e além de um remate de Pepe também de fora da área para nova defesa de Gomes, a melhor chance chegou por André Silva e na sequência de uma “rosca” da defesa visitada… (34′). Era pouco, muito pouco. E era necessário mais.

Ao intervalo, Fernando Santos queria mais dinâmica, melhor jogo interior, mais presença na área e mais eficácia no último toque. Olhou para o lado e não demorou a encontrar a resposta: lançou Cristiano Ronaldo.

O avançado já tinha dado nas vistas aos 32′ quando, após mais uma reposição atrasada por parte dos apanha bolas, chamou um dos miúdos e explicou-lhe como poderiam fazer para a coisa ser diferente. Houve sorrisos, piscar de olhos, mas uma mensagem nas entrelinhas: mesmo estando no banco, o capitão queria era entrar em campo. Porque, com ele, as coisas não só são mais rápidas como se tornam diferentes.

Aos 63′, após um corte defeituoso do central veterano Lima a um cruzamento de João Mário na esquerda, a bola caiu nos pés de Ronaldo e o avançado só teve de encostar para fazer o 1-0. A Seleção até tinha menos posse e menos remates do que na primeira parte, mas bastou o madeirense andar por lá para fazer a diferença. Aí, nas oportunidades que se seguiram e no segundo golo que “matou” o resultado, quando cruzou largo para Danilo assistir ao poste mais distante André Silva (86′). Custou, mas foi. E Portugal cumpriu o essencial.

Na conferência de imprensa depois do encontro, Fernando Santos explicou de forma detalhada o que tinha falhado na primeira parte e melhorado na segunda. E todos ouvimos. E lançou de forma pragmática o jogo com a Suíça, da próxima terça-feira: “É ganhar ou ganhar, não tem nada que saber”. E todos acreditamos.

Até porque, 15 anos depois, aquele miúdo de 17 anos que marcava o seu primeiro golo, e que caminha para a sua quinta Bola de Ouro entre um currículo fabuloso a nível de clubes e seleções, já vai em 613 remates certeiros. Se Fernando Santos não se engana há 15 meses, Cristiano Ronaldo não nos engana há 15 anos.