A curiosidade em relação ao único restaurante 100% kosher de Portugal era grande. Por isso, no dia 12 de outubro, pusemo-nos a caminho da Avenida da Boavista, no Porto. Lá estavam, à janela do número 719, os balões onde se pode ler Bola Falafel. E um menu onde se prometem pratos como shakshuka, beringela frita, faláfel de húmus ou pão pita. Só as portas estavam misteriosamente fechadas. No dia seguinte, novamente fechadas. Teria o Bola Falafel resistido apenas um mês com as portas abertas? Nada disso. Pai e filho, judeus israelitas, fecharam para celebrar os feriados de Sucot. É que, aqui, a tradição judaica é para levar a sério.

Desde logo, é preciso explicar o conceito. Kosher é comida preparada sob a lei da religião judaica, desde a matéria-prima à confeção e ao serviço. As regras são apertadas e basta uma das etapas não ser cumprida para que a comida não seja kosher. Nem todos os judeus seguem a dieta kosher. Nativ Dadon, o jovem de 22 anos que teve a ideia de abrir o restaurante, é um deles.

Natural de Eilat, no sul de Israel, Nativ chegou a Portugal apenas no verão e, para a língua de Camões, ainda não houve tempo. Todos os minutos foram dedicados a conceber o Bola Falafel, pelo que a conversa dá-se em inglês. “Aos 18 anos fui para o exército, como todos os israelitas. Quando terminei o serviço militar obrigatório, passados três anos, decidi ir viajar pela América Latina.” Regressou ao seu país, com muitas dúvidas sobre o futuro. Em conversa com o pai, divorciado da mãe de Nativ, e que durante 30 anos foi cozinheiro do exército de Israel, propôs-lhe uma ideia. E se abrissem um restaurante na Europa?

Depois de viajar pela América Latina, Nativ chegou a Israel sem planos para o futuro. Pegou no pai e, juntos, abriram o Bola Falafel no Porto. © Artur Machado / Global Imagens

Hoje, Shlomi passa os dias na cozinha a preparar pratos com sabor a Israel, enquanto Nativ gere a sala e tudo o que envolve o negócio. Ali, a carne não entra, e mesmo peixe só há salmão (13€) e umas bolinhas de húmus de inspiração marroquina, cuja receita Shlomi herdou da mãe. Pratos de húmus há cinco variedades (entre os 9€ e os 13€): húmus de faláfel, de cogumelos, de bolas de peixe, de grão-de-bico e de shakshuka, o famoso prato à base de ovos, muito popular no Médio Oriente.

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Há mais duas shakshukas disponíveis, a israelita e a picante (10€). “Descobri que os portugueses não gostam muito de picante”, confessa Nativ, entusiasmado com tantas descobertas. Outra coisa que descobriu é que os portugueses têm vários rituais à mesa. Por exemplo, as horas restritas do almoço e do jantar fazem-lhe confusão. Por isso, o Bola Falafel serve refeições a qualquer hora do dia, de manhã à noite, isto é, não encerra durante a tarde, como a maior parte dos restaurantes. “Queremos ser um espaço descontraído, em que as pessoas possam gritar os pedidos para o balcão em vez de levantarem o dedo e chamarem o funcionário, como fazemos em Israel”, diz Nativ.

Entre esses pedidos podem estar também uns petiscos, como a couve-flor frita (5€), a salada israelita (entre 3€ a 5€), um couscous de vegetais (10€), a salada tabbouleh (6€), que é uma novidade, e a beringela tahine (um creme ou pasta feito de sementes de sésamo). Há ainda quatro opções de pão pita, “boas para quem prefere take-away”: faláfel, shakshuka, bolas de peixe e sabih, outra novidade, feita de beringela com húmus, tahine e molho picante. De sobremesa ainda só há bolo, porque Shlomi ainda não acertou na consistência do malabi, espécie de pudim israelita. O café também chega do Estado judaico, embora os grãos sejam turcos.

O chef ainda procura a consistência certa para a Malabi. Só quando a encontrar é que esta sobremesa começará a ser servida. © Sara Otto Coelho / Observador

Nas paredes do espaço onde antes funcionava a pizaria Al Porto há, agora, fotografias de Israel e do Porto, intercaladas. A música que se ouve é sempre de Israel. “Queremos trazer um pouco da nossa cultura para cá”, explica Nativ. Mas, apesar dos horários mais extensos, que permitem fazer uma refeição a qualquer hora do dia, há um período de encerramento que é sagrado. Literalmente. Durante o Shabat e em Yom tov (feriados judaicos, como por exemplo os da festa de Sucot), as regras judaicas mandam que os crentes não trabalhem nem façam esforços, de modo a honrar o dia de descanso. Por isso, o Bola Falafel encerra sexta-feira às 16h e reabre domingo às 11h. Há a possibilidade de abrir aos sábados ao jantar mas apenas mediante reservas grandes.

O Bola Falafel fica localizado a cerca de 600 metros da Sinagoga Kadoorie “Mekor Haim”, a maior sinagoga da Península Ibérica, e conta com o seu apoio e o da Comunidade Israelita do Porto (CIP). Ao Observador, a Comunidade explica que é formada por 250 judeus residentes no Porto. Para além dos residentes e dos portugueses, o Bola Falafel pode beneficiar do boom turístico da cidade. Só em 2016 visitaram Portugal “mais de 100 mil judeus, turistas, que são os maiores clientes dos restaurantes kosher“, adianta a CIP.

“Estás a ver aquela câmara?”, aponta Nativ, com o dedo para cima. O rabino da sinagoga do Porto, Daniel Litvak, terá acesso às imagens, entre outros procedimentos, para garantir que as regras são seguidas como manda a religião. Afinal, será ele a certificar, dentro de uma semana, o Bola Falafel como restaurante kosher. No Porto já existia, aliás, uma opção. Um dos dois pisos do restaurante do Hotel da Música, também na Boavista, é kosher. É lá que também que já existe um pequeno supermercado com produtos kosher.

Mas que não se assuste quem não tem crenças religiosas. Para quem não compreende bem conceitos como Sucot ou Shabat, o Bola Falafel pode ficar conhecido simplesmente como um novo restaurante israelita. Onde os sabores lembram a casa de Nativ e Shlomi.

Húmus faláfel. © Sara Otto Coelho / Observador

Nome: Bola Falafel
Morada: Avenida da Boavista, 719, Porto
Contacto: 22 600 0289
Horário: de domingo a quinta-feira das 11h às 22h, sexta-feira das 11h às 16h. Sábados apenas abre ao jantar mediante reserva.
Reservas: Aceita
Site: www.facebook.com/BolaFalafel