Foi uma surpresa no Conselho Nacional e um apoio de peso para Rui Rio — sobretudo porque vindo de um inimigo antigo. Luís Filipe Menezes, conterrâneo de Rui Rio no Porto e ex-presidente do PSD, apareceu no hotel onde decorria o Conselho Nacional decisivo para Rio já o líder discursava aos conselheiros, inscreveu-se para falar e falou muito mais do que os 5 minutos permitidos pela Mesa. O desconto justificar-se-ia pela importância da intervenção: depois de um prelúdio palavroso, onde recordou os momentos — e não foram poucos — em que Rio e Menezes andaram “às turras um com o outro”, e depois de ter defendido a “legitimidade” do avanço de Luís Montenegro como challenger, o ex-presidente da câmara de Gaia terminaria a enterrar o machado de guerra e a dizer que apoiava o inimigo de outrora “até à vitória nas eleições”.

“Não é hora para ódios e vinganças. Eu escolho o que é melhor para os meus filhos, para os meus netos e para o meu país. É hora de cerrar fileiras em torno de Rui Rio”, disse já cá fora aos jornalistas. Lá dentro tinha dito mesmo que “compreendia” o porquê de Rio não o ter apoiado quando se candidatou à câmara do Porto (e, em vez disso, ter apoiado indiretamente Rui Moreira). Fê-lo não por maldade, vingança, ou ódio pessoal, mas sim por “convicção”. “Acredito que não me apoiou por convicção: Rui Rio acreditava que eu não era o melhor para o partido. E enquanto eu acreditar nisso o senhor terá o meu apoio até à vitória em setembro [outubro]”, disse.

Ouvido com atenção pelos conselheiros e, sobretudo, pelo líder do partido, Menezes dispôs-se como soldado pronto a ajudar “no que for solicitado” o PSD e Rui Rio nas campanhas que se seguem. Instou, inclusive, todos os ex-líderes do partido a fazerem o mesmo. Sobre o avanço de Luís Montenegro que originou esta guerra, Menezes não condena — “em democracia nunca é tarde para colocar em causa uma liderança, é legítimo” –, mas também diz que, do ponto de vista ideológico, as diferenças entre ambos não são assim tantas. Por isso, é tempo de enterrar machados de guerra.

Menezes não está com isto à espera que Rio seja diferente, faça política de forma diferente, ou tenha um estilo diferente. Ele é assim, mas é na diferença que está o ganho. Pelo menos dentro do PSD: “Esta não é a nossa fraqueza, esta é a nossa força. Isto é que faz com que tenhamos possibilidades diferentes em momentos diferentes, e soluções diferentes para problemas diferentes”.

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No final, muitos aplausos. Mas não só. Luís Filipe Menezes saiu da sala e, já no exterior, ficaria uns minutos a falar com o vice de Rio Salvador Malheiro. Só depois disso é que Malheiro anunciou a quem estava à volta que Rui Rio ia descer para dar “um abraço” ao outrora inimigo político. O abraço selou a guerra e Rio admitiu que estava “emocionado”.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Uma longa guerra fria

O que é certo é que um abraço destes, em público, não era visto desde pelo menos o início dos anos 90. Até aí, os dois tinham um relacionamento próximo e chegaram a pertencer ao mesmo círculo de amigos. Mas entretanto chega a história de uma suposta traição que Rui Rio não perdoou e da qual se iria vingar muitos anos mais tarde.

O PSD começava a preparar as eleições legislativas do ano seguinte. Na distrital do Porto, havia uma discreta guerra entre o poder dito tradicional, representado por Brochado Coelho, e o grupo dos “críticos” onde pertenciam não só Menezes, como também Rui Rio e Aguiar Branco, todos próximos de Francisco Pinto Balsemão.

Mas Menezes, que tinha sido levado para a política precisamente pela mão de Brochado Coelho, acaba por lhe suceder na liderança da distrital e passa a ser conotado também ele com o poder tradicional. Conta-se que a zanga definitiva aconteceu quando se fizeram as listas do Porto para as legislativas e Menezes teria rompido um acordo selado dias antes com Rui Rio. O gesto não foi perdoado por Rui e os dois homens afastaram-se até hoje. De tal forma que onde estava um, não estava o outro.

Quando, para as autárquicas de 2001, Durão Barroso aposta em Rui Rio para encabeçar uma candidatura do PSD à Câmara do Porto, com o objetivo de apresentar uma figura forte que pudesse causar mossa ou, pelo menos, “perder com dignidade” para Fernando Gomes do PS, teve oposição forte do líder da distrital, precisamente, Luís Filipe Menezes.

Menezes é desautorizado por Barroso, perde essa batalha e vê o inimigo conquistar uma surpreendente vitória na segunda cidade do país, onde se manteve durante 12 anos. “Uma vitória contra tudo e contra todos”, diria Rio no primeiro discurso de vitória. E a alfinetada tinha um alvo que todos identificaram facilmente.

Ambos coincidiram como autarcas, um no Porto, outro do lado de lá da ponte, em Gaia. Uma proximidade geográfica que não atenuou o distanciamento entre os dois. Foram bem mais as desavenças públicas que os entendimentos.

Uma das raras vezes em que partilharam o mesmo palco em público, lado a lado, foi nas legislativas de 2011, onde participaram ambos num comício de apoio a Pedro Passos Coelho no Porto. Mas a rivalidade que ambos alimentaram mantinha-se bem viva.

Dois anos depois, quando Rio termina o último mandato e sai de cena no Porto, vê Menezes avançar com a candidatura para o substituir. Rui Rio não esconde o desagrado e, em entrevista à RTP, diz que seria “hipócrita” apoiar Menezes e não poupa nas palavras duras: «Tenho a obrigação ética de me demarcar muito claramente daquilo que sei que vai destruir tudo o que foi feito [no Porto]. É lamentável que durante 12 anos o PSD tenha dito à população para votar num projeto como o meu e a meio do meu mandato venha dizer ‘votem no seu contrário’. Isto descredibiliza os partidos»

Mesmo sem declarar abertamente o apoio, deixa entender que prefere Rui Moreira. O sinal foi claro o suficiente para que os apoios de Rio se passassem para o independente Rui Moreira que acabaria por ganhar a autarquia, relegando Menezes para um surpreendente terceiro lugar.

Era o derradeiro episódio público de uma guerra fria que durou anos e que, aparentemente, terá terminado na noite desta quinta-feira.