Se dúvidas houvesse sobre a intenção dos motoristas de matérias perigosas relativamente à duração da greve que arrancou esta segunda-feira, elas dissiparam-se logo à meia-noite, quando o porta-voz dos camionistas, Pedro Pardal Henriques, chegou ao piquete de greve em Aveiras de Cima montado numa trotinete elétrica. “Como não sei o que é que se vai passar, viemos de trotinete, que é um veículo elétrico, mais amigo do ambiente, e por uma questão de poupar combustível”, justificou aos jornalistas que o esperavam, esclarecendo uma mensagem simbólica que não precisava de grandes esclarecimentos. A greve arrancou à hora marcada e pode durar “um dia, dois dias, uma semana, um mês, o tempo que for necessário”. Mais tarde, em declarações à Rádio Observador, Pardal Henriques voltaria a insistir na ideia: chegara de trotinete porque “o combustível está escasso e tendo em conta os efeitos da greve não sabemos se o combustível chega ou não”.

O advogado do sindicato, Pedro Pardal Henriques, chegou de trotinete como forma de protesto. (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

À meia-noite, aconteceu aquilo que já se antecipava nos últimos dias: entrou em vigor a situação de crise energética e os consequentes limites de abastecimento nos postos de combustível do país. Na generalidade dos postos, os clientes apenas podem adquirir 25 litros de gasolina ou de gasóleo. Naqueles postos que fazem parte da Rede de Emergência de Postos de Abastecimento (REPA), o limite é de 15 litros por cliente — 100 litros no caso dos pesados. Àquela hora, já os vários piquetes de greve — na Companhia Logística de Combustíveis (CLC) de Aveiras de Cima, mas também em Leça da Palmeira, Alfena, Maia, Aveiro, Porto de Mós, Condeixa, Vilar Formoso, e Mangualde — estavam preparados. Nessa altura, embora a greve ainda estivesse apenas a arrancar, já havia pelo menos 410 postos de combustível no país sem gasolina nem gasóleo.

Em Aveiras, ouvia-se um grito de protesto conhecido: “Nem um passo atrás“. A abertura de hostilidades na greve que começou a fazer estragos mesmo antes de começar coube precisamente a Pardal Henriques, o advogado e porta-voz do sindicato dos motoristas de matérias perigosas, que falou durante perto de um quarto de hora aos jornalistas — e disparou em todas as direções. Começou por fazer mira ao Governo, acusando o Executivo de querer estender os serviços mínimos “até aos 150% para que as pessoas, no direito legítimo à greve, trabalhem mais ainda do que aquilo que é o normal”.

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Mas Pardal Henriques guardou as munições de maior calibre para a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM), associação do patronato do setor, em que colocou o ónus de decidir quando a greve termina. “Os portugueses vão ficar a aguardar que a ANTRAM se digne a falar com estas pessoas“, assegurou Pardal Henriques. Acusando a associação dos patrões de não querer negociar, o advogado do sindicato foi mais longe para assegurar mesmo que “a ANTRAM está perfeitamente consciente de que assinou um acordo com estas pessoas, que enganou estas pessoas”.

Vieira da Silva: “Se alguém pensa que reage à requisição civil como reagiu aos serviços mínimos, está enganado”

O advogado e porta-voz dos motoristas afirmou que a associação assinou um acordo com os profissionais do setor e que se recusa a cumpri-lo, acusando André Matias de Almeida, porta-voz da ANTRAM, de “fazer intepretações muito díspares daquilo que está nos contratos” e de “ler meias frases para tentar enganar as pessoas“. “Para a ANTRAM, estes motoristas têm obrigações, têm deveres, muitos, mais do que aquilo que é normal para qualquer português comum. Mas direitos não têm nenhum”, afirmou. Por isso, assegurou Pardal Henriques, a greve continuará “até que a ANTRAM diga ‘meus senhores, vamos conversar’ e até que nos apresente uma proposta que seja razoável para que se possa desconvocar”. Até lá, garantiu, “estaremos um dia, dois dias, uma semana, um mês, o tempo que for necessário“.

Pardal Henriques aproveitou ainda a intervenção para lançar o mote para outro dos temas que marcariam a noite: a guerra de SMS entre patrões e motoristas à volta dos serviços mínimos. “A única parte que cumpre a lei são os motoristas“, assegurou. “Apesar de quererem que estes motoristas tenham uma bola de cristal para adivinhar quais são os serviços normais num período de agosto, nós não conseguimos adivinhar. Nós pedimos à ANTRAM que nos digam quais são os serviços normais no mês de agosto. A ANTRAM não nos quer dizer. Não nos disse com 96 horas de antecedência, não nos disse com 48 horas, e depois à meia-noite e um minuto vem dizer que eles não estão a cumprir. Não sabemos quantos motoristas estão afetos ao aeroporto, quantos estão afetos aos postos de combustível, nós não conseguimos adivinhar isto.”

“A ANTRAM teve a displicência de enviar mensagens para todos os motoristas a requisitar trabalho de 14 horas, como se não existisse nada. Isto é de uma prepotência e de uma arrogância“, acrescentou Pardal Henriques.

Durante este fim de semana, vários motoristas foram contactados diretamente pelas empresas de transporte, por SMS, indicando os horários e os locais onde se deviam apresentar ao serviço para cumprirem os serviços mínimos. Alguns trabalhadores da AtlanticCargo, por exemplo, receberam uma mensagem pedindo-lhes que se apresentassem na segunda-feira nas instalações da empresa, no Porto Alto, às 8h00 — informação que os surpreendeu, como contou o Observador numa reportagem publicada este domingo. É que, num dia normal, trabalhariam a partir de Aveiras de Cima.

Esta madrugada, por volta da 1h, numa ação coordenada pelos sindicatos, vários motoristas enviaram uma mensagem às respetivas empresas com o seguinte texto: “Bom dia. Estamos no piquete de greve, e estamos disponíveis para fazer os serviços mínimos, dentro dos limites legais. Assim sendo agradeço que me envie para o telemóvel a escala para hoje, para que possa verificar com o sindicato. Doutra forma não sairei do piquete de greve. Obrigado.” O Observador consultou mensagens com este texto enviadas por motoristas reunidos nos piquete de greve em Aveiras e em Leça da Palmeira.

A mensagem enviada por vários motoristas de matérias perigosas aos respetivos empregadores (Octávio Passos/Observador)

Em resposta, receberam mensagens dos responsáveis dos turnos das empresas. Uma mensagem lida pelo Observador dizia: “Em cumprimento das regras legais aplicáveis e do despacho do governo deve apresentar-se no local determinado para cumprir os serviços mínimos obrigatórios.”

Entre os motoristas, comentava-se que os transportes deveriam arrancar apenas por volta das 8h por indicação das empresas. Porém, em declarações ao Observador em Aveiras por volta da 1h30, o tesoureiro do Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas, António Medeiros, lembrava que o aeroporto de Lisboa estava incluído nos serviços mínimos de 100% — e que os primeiros camiões com combustível para aviões deveriam sair de Aveiras por volta das 3h da manhã, por indicação dos patrões. Àquela hora, os motoristas continuavam a aguardar a chegada de mensagens SMS das entidades patronais com as indicações dos serviços que tinham de efetuar — já que o sindicato não tinha essas informações com antecedência.

Durante toda a noite, os piquetes de greve não desmobilizaram. Pardal Henriques passou a noite em Aveiras — reunindo-se várias vezes com outros líderes sindicais para fazer pontos de situação — e, em Leça da Palmeira, o delegado do sindicato no Norte, Manuel Mendes, montou uma tenda para passar a noite. O sindicato assegurou que os serviços mínimos iriam ser cumpridos. Às 6h30, após uma noite inteira de calma nos principais centros de distribuição (ao contrário do que sucede nos dias normais, em que os camiões começam a ser carregados a partir da meia-noite), começaram a abastecer-se os primeiros veículos. Três camiões saíram de Aveiras com combustível para aviões, com destino ao aeroporto de Lisboa — abrangido pelos serviços mínimos de 100%. Já em Matosinhos, o primeiro camião que se preparava para entrar na refinaria da Petrogal foi barrado pelos manifestantes. Não levava o dístico dos serviços mínimos, mas apenas uma folha A4 com a indicação, justificou um dos motoristas presentes no local ao Observador.

Com o início dos trabalhos começa também o verdadeiro teste desta greve: o sindicato assegura que os motoristas escalados para os serviços mínimos apenas vão trabalhar oito horas, não fazendo horas suplementares. O Governo tem o dedo no gatilho para decretar, a qualquer momento (por “conselho de ministros eletrónico”, ou seja, por email), uma requisição civil em caso de incumprimento dos serviços mínimos. Há 12 mil agentes da polícia mobillizados para assegurar a ordem dos trabalhos e 521 elementos das forças de segurança e das forças armadas formados e preparados para conduzir as viaturas e operar as cargas e descargas.