De 1981 até 2021 passam 40 anos bem redondinhos. Mas “It’s a Sin”, a nova série do Channel 4 estreada pela HBO em Portugal, soa às vezes demasiado atual. Primeiro, porque é sobre um vírus e a desinformação sobre o mesmo. E depois, porque nos confronta com um preconceito anti-LGBT que, depois de alguns anos num envergonhado pousio, parece voltar a espigar em força nos tempos recentes.

Pelo menos na questão do vírus, estamos perante um mero acaso. Estávamos ainda em 2015, naquele tempo que ficará para a História como o pré-Covid, quando Russell T. Davies (o mesmo de “Queer as Folk”, “Years and Years” e algumas temporadas de “Doctor Who”) anunciou estar a desenvolver uma série vagamente baseada na sua experiência como um rapaz do País de Gales profundo que foi para Londres em busca de uma nova vida nos loucos anos 80. Em “It’s a Sin”, ao longo de cinco episódios, acompanhamos um grupo de amigos gays, cada qual vindo do seu contexto familiar mais ou menos castrador, que se juntam num pequeno apartamento londrino para poderem lutar pela sua carreira e pela sua liberdade sexual. Porém, esta série é sobre o travão a fundo neste ideal de felicidade, com a aparecimento daquilo que era então chamado de “o cancro dos homossexuais”. Vieram para poder ter um futuro, mas nem todos lá chegarão.

Este é, aliás, um dos conselhos a quem queira ver esta série: cuidado com as personagens que escolhem como alvo de afeto, porque o personagem principal é mesmo a sida. Porém, este meu conselho acaba por ser especialmente palerma se tivermos em consideração que um dos vários pontos fortes da série é ter lá dentro gente tão humana, divertida e relacionável. “It’s a Sin” debruça-se sobre um tema grave, mas não é um dramalhão puro e duro, é um divertido agridoce com momentos muito tristes. É uma série que percebe que a vida é muita coisa ao mesmo tempo. E é mais impactante ver a alegria a ser ceifada no seu ponto máximo.

[o trailer de “It’s a Sin”:]

O grupo de amigos e a relação entre eles próprios e com a comunidade que os rodeia faz lembrar por vezes a de “Trainspotting”, o clássico filme de Danny Boyle, com o VIH a fazer as vezes da epidemia da toxicodependência. O final de ambas as obras, contudo, é bastante diferente. Aqui, como se costuma dizer, “ninguém larga a mão de ninguém”.  São estes os personagens com os quais trilhamos caminho:

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Ritchie Tozer: foco principal da série, é um rapaz de 18 anos criado numa pequena vila insular. Os pais acham que o seu filho vai para Londres estudar direito, mas Ritchie depressa se decide tornar ator. Começa aqui a cisão entre a ideia que têm do filho e o Ritchie real;

Roscoe Babatunde: membro mais novo de uma família nigeriana que está convicta de que a homossexualidade é obra do diabo. Ao saber que os pais tencionam mandá-lo de volta para a Nigéria, onde provavelmente será morto por ser gay, foge para Londres – numa saída de cena bastante libertadora;

Colin Morris-Jones, mais conhecido como Gladys: o mais atinado do grupo, é um rapaz tímido e doce que se sente feliz a trabalhar numa alfaiataria ou numa loja de fotocópias. É ele quem lida de perto com a doença primeiro, ao ver um colega de trabalho ser deixado ao abandono numa ala de um hospital devido a uma misteriosa doença contagiosa;

Jill Baxter: atriz de musicais em início de carreira, é a melhor amiga de Ritchie e uma ativista dos direitos dos homossexuais. É uma espécie de figura maternal do grupo;

Ash Mukherjee: um jovem indiano que é o primeiro envolvimento sexual de Ritchie. A relação entre ambos, a partir do momento que se tornam colegas de casa, acaba por ser um pouco ambígua.

 [ouça a playlist de com a banda sonora de “It’s a Sin” através do Spotify:]

A estes juntam-se outros elementos da comunidade gay, as famílias (umas mais presentes, outras claramente substituídas por redes de apoio de amigos) e os próprios profissionais de saúde. É interessante ver como estas relações mudam conforme o VIH passa de um vírus quase desconhecido para um grave problema de saúde pública. O modo, por exemplo, como os médicos lidam com a doença e os infetados muda bastante ao longo da temporada.

Com uma banda sonora que dá uma extraordinária playlist da pop dos anos 80, “It’s a Sin” pede o seu nome emprestado ao clássico de 1987 dos Pet Shop Boys, e na verdade essa canção simboliza tudo o que a série representa: a década de 80, o movimento LGBT e a metáfora para a ideia de pecado que causava a doença. Em 2021, o mundo é outro. Veremos se é um mundo melhor.

Susana Romana é guionista e professora de escrita criativa